Financial Times: Brasil é um ‘Robin Hood às avessas’
Jornal britânico destaca que, seja quem for o próximo presidente, terá de enfrentar a crise fiscal e as 'prioridades perversas' no gasto público
Em análise publicada em sua edição desta sexta-feira, o Financial Times trata de desbastar ilusões sobre o resultado das eleições de outubro. Quem quer que vença a disputa pelo Palácio do Planalto terá de enfrentar duas crises interligadas: o déficit fiscal e o sistema de gastos públicos que segue a lógica inversa da do lendário Robin Hood.
O quadro apresentado pelo artigo não deixa espaço para ideias mágicas e soluções de curto prazo expostas por alguns candidatos à Presidência nesta campanha. O Brasil, apesar dos esforços de ajuste fiscal, tem um déficit orçamentário de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) e “corre o risco de cair em um novo pântano” se o seu futuro governo não controlar os gastos públicos.
O texto foi escrito em parceria pelo correspondente do FT em São Paulo, Andres Schipani, e pelo jornalista Jonathan Wheatley.
Os gastos públicos são alvos de especial detalhamento no artigo, em especial pelas “prioridades perversas” adotadas pelo governo brasileiro. Destinado a leitores de todo o mundo, sobretudo aos investidores, o texto explica que os gastos do governo com salários de servidores e aposentadorias e pensões são tão elevados que o país perdeu sua capacidade de investir em Saúde, infraestrutura e até na “manutenção de alguns de seus melhores museus”.
Esta pitada de ironia é uma referência ao incêndio que devastou o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, cuja imagem abre o artigo e expõe as mazelas brasileiras na área fiscal. O texto cita a conclusão da economista Rozane Siqueira, da Universidade Federal de Pernambuco, de que o gasto público no Brasil é “completamente irracional”.
“Com uma boa parte do que conta como gasto social indo para a classe média alta, ela descreve o governo como uma forma de ‘Robin Hood às avessas'”, menciona o artigo, referindo-se ao lendário bandoleiro medieval, que roubava dos ricos para distribuir aos pobres.
O texto destaca que a crise brasileira não se deve à falta de receitas. No Brasil, é bem sabido que a carga tributária é uma das maiores do mundo, equivalente hoje a 32% do PIB. Mas a repartição do bolo causa estranheza aos autores do texto: 31% da receita vai para os 10% mais pobres, e 23%, para os mais ricos. No Reino Unido, exemplificam eles, 92% da receita vai para os mais pobres, e 2%, para os mais ricos.
Lógica semelhante é replicada no sistema de aposentadorias e pensões, com apenas 2% da receita seguindo para os 20% mais pobres. O texto aponta a extravagância desse sistema para o setor público, com aposentadoria média de R$ 18.065 mensais para juízes e de R$ 26.823 para funcionários do legislativo. Mas não menciona a aposentadoria para trabalhadores do setor privado paga pelo INSS, de R$ 954 a R$ 5.531 mensais.
Em outro aspecto dos gastos públicos, o artigo explica que os benefícios e isenções fiscais concedidos para diferentes setores produtivos custam ao Tesouro R$ 290 bilhões – 20% das receitas do governo federal. Mas cita também as linhas de financiamento subsidiadas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que muito beneficiaram setores com capacidade de buscar crédito no exterior e que não resultaram ganhos de investimento e de produtividade.
O artigo expõe e critica a “popular ideia de que o Estado deva ser generoso” e que, além de dar benefícios fiscais e financiamentos subsidiados, deva também agradar os segmentos populares. Como exemplo, menciona a meia entrada em cinemas, teatros, shows e outros eventos como meio de estimular a audiência de jovens, idosos e outros beneficiados, determinada pelo Planalto.
“Todo mundo sempre pega algo”, diz a economista Zeina Latif, da XP Investimentos, ao FT.
O artigo aborda ainda como essa visão do Estado tem transbordado em casos de corrupção, como nos investigados pela operação Lava Jato. “Ambos os governos, os democraticamente eleitos e os militares, se entregaram a aqueles interesses especiais ao longo dos anos, mas as pressões no orçamento foram exacerbadas durante o período de 13 anos em que o esquerdista Partido dos Trabalhadores ocupou a Presidência, de 2002 a 2016″, diz o texto.
Direita versus esquerda
O artigo explicita o esforço de seus autores em não entrar no discurso político polarizado do Brasil, em especial nesta etapa pré-eleitoral. Mas não deixa de mencionar o namoro do mercado financeiro com o candidato de direita Jair Bolsonaro (PSL), “ignorando sua admiração pela ditadura militar do Brasil e pelas corporações policiais”.
Também acentua, em um quadro sobre a disputa entre direita e esquerda, as decisões políticas da então presidente Dilma Rousseff, que levaram a economia brasileira a uma contração de 7% do PIB entre 2015 e 2016.
Nesse espaço, ressalta que Fernando Haddad, substituto de Luiz Inácio Lula da Silva como candidato do PT, ecoa as políticas adotadas por Rousseff, e que o também esquerdista Ciro Gomes (PDT) “propôs políticas intervencionistas que também alarmaram os investidores”. Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB) e os demais candidatos não foram citados.