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FBI, CIA, comerciante e “Raul”: as teorias sobre a morte de Luther King

Família de Martin Luther King acredita na teoria de que a morte do líder de movimentos civis foi uma conspiração minuciosamente planejada

Por Carolina Marins Atualizado em 30 jul 2020, 20h23 - Publicado em 4 abr 2018, 10h59
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  • Em 4 de abril de 1968, às 18 horas, o pastor, prêmio Nobel da Paz e líder da luta pela igualdade de direitos raciais nos Estados Unidos, Martin Luther King, saía à varanda do quarto de seu hotel em Memphis, no estado americano do Tennessee. Minutos depois, um tiro disparado de fora do hotel acertaria seu rosto deixando Luther King inconsciente. Sua morte foi confirmada uma hora mais tarde, no St. Joseph’s Hospital, dando início a uma caçada de meses por seu assassino e, em seu rastro, deixando um legado de diversas teorias sobre a morte do líder social.

    James Earl Ray foi apreendido em julho de 1968 no Reino Unido e deportado para os Estados Unidos como o principal suspeito pelo assassinato. Com base em testemunhas que afirmaram tê-lo visto próximo à cena do crime e de digitais presentes na arma encontrada no local de onde se assume que ocorreu o disparo, Ray foi considerado culpado. Para evitar a pena de morte, ele admitiu ser o assassino, mas, mais tarde, voltou atrás em sua confissão e afirmou até o dia de sua morte que não havia assassinado Luther King. A família do pastor americano diz acreditar na inocência de Ray, e há cinquenta anos diversas teorias defendem a existência de uma conspiração que envolve o governo americano, o FBI, a CIA, a máfia, a polícia de Memphis, um comerciante e uma pessoa misteriosa chamada Raul.

    Martin Luther King havia chegado a Memphis no dia anterior a sua morte, para participar de uma marcha em favor de trabalhadores negros da área de saneamento, que pediam por melhores salários e condições de trabalho. Ele se hospedou no quarto 306, no 2º andar do Lorraine Motel, juntamente com Andrew Young, ex-embaixador americano na ONU e prefeito de Atlanta.

    O tiro que atingiu King, segundo as investigações do FBI à época, partiram do banheiro de uma pensão localizada do outro lado da rua. Próximo à porta da pensão, a polícia encontrou um rifle 30.06 Remington e um binóculo. As digitais presentes na arma levaram a James Earl Ray, um americano que havia fugido da prisão no ano anterior, deixando um rastro que levou o FBI a buscá-lo em Atlanta, no Canadá e, por fim, no Reino Unido, onde Ray foi encontrado portando documentos canadenses falsos.

    Deportado para os Estados Unidos, ele foi considerado, sozinho, culpado pelo assassinato de Martin Luther King. Prestes a ser condenado à morte, Ray fez um acordo com a promotoria, confessando o crime e recebendo uma pena de 99 anos de reclusão em vez da pena capital. Entretanto, dias após receber a sentença, Ray voltou atrás em sua confissão, alegando ter sido coagido por seu então advogado e pelo FBI para poder evitar a pena de morte.

    Atirador James Earl Ray
    Atirador James Earl Ray detido por roubo armado e fuga em 1966, sentenciado a 20 anos de prisão, fugindo um ano depois (Bettmann/Reprodução)

    Ray contratou um novo advogado que buscou, sem sucesso, provar sua inocência. Ele dizia não ter sido a pessoa que disparou o tiro, embora fosse “parcialmente culpado”, mesmo sem saber. As teorias de conspiração em torno do assassinato de Luther King começaram a ganhar fôlego quando Ray apontou um homem chamado “Raul” como o real culpado pelo crime.

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    Ray teria conhecido Raul em Montreal, no Canadá, um ano antes do crime. Raul o teria orientado a comprar o rifle. Em uma das versões de defesa apresentadas por Ray, o americano afirma que Raul teria disparado o tiro enquanto ele, na verdade, se encontrava em um posto de gasolina.

    Ninguém nunca soube quem era Raul e se ele de fato existiu. As descrições que Ray apresentou do homem misterioso variaram com o tempo. A polícia não encontrou impressões digitais diferentes das de Ray na arma e o próprio advogado não conseguiu provar que seu cliente não estava na pensão no momento do crime. O advogado da família King, William Pepper, chegou a procurar por Raul, tendo localizado um trabalhador em Nova York, que negou envolvimento no assassinato e colaborou com as investigações.

    Governo, FBI e Jowers

    Apesar de a família King não estar totalmente convencida da existência de “Raul”, seus membros definitivamente acreditam na inocência de James Earl Ray, ou pelo menos no fato de que ele não agiu sozinho. Em 1997, Dexter Scott King, o segundo filho de Luther King, visitou Ray na prisão acompanhado pelo advogado Pepper. Dexter diz ter perguntado se Ray matara seu pai e afirma ter recebido uma resposta negativa. Para a família, a morte do líder da luta pela igualdade racial foi uma conspiração do governo americano, juntamente com o FBI, a CIA, a polícia de Memphis e a máfia.

    A teoria da família ganhou força quando, em 1993, um homem chamado Loyd Jowers apareceu no programa Prime Time Live, da ABC, afirmando que ele –juntamente com agências do governo e a polícia local– estavam envolvidos na morte do pastor. Segundo Jowers, que é dono de um restaurante próximo ao Lorraine Motel, Ray foi apenas o “bode expiatório” de uma trama maior motivada por questões raciais.

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    Antes do programa, Jowers negara durante anos ter qualquer conhecimento sobre o caso, mas mudou sua versão, afirmando que o atirador teria sido um policial de Memphis escondido em um arbusto em frente à pensão de onde o disparo foi realizado. Ele afirmou ainda que escondeu o rifle, entregando-o posteriormente a um homem chamado Raul. Jowers foi desmentido pelo governo e por membros de sua própria família, que afirmam que ele tinha interesse em obter fama e dinheiro com a declaração.

    Mesmo assim, William Pepper, o advogado dos King, apresentou uma acusação de 4.000 páginas, com setenta testemunhas contra Jowers, contra o governo dos Estados Unidos, contra o FBI, contra a CIA e contra a polícia de Memphis a um tribunal do condado de Shelby, no Tennessee, iniciando um processo civil. Os órgãos governamentais não participaram do julgamento, pois não foram transformados em réus e, portanto, não tiveram de apresentar defesa ante a acusação.

    Em 1999, o júri considerou que a morte de Martin Luther King foi parte de uma conspiração do governo juntamente com Jowers e os condenou a pagar 100 dólares à família, quantia esta estipulada pelo advogado dos King para deixar claro que o interesse de seu cliente não era financeiro. No entanto, em 2000, o Departamento de Justiça americano rejeitou a conclusão do júri por “falta de evidências”.

    Coretta King, esposa de Martin Luther King, morta em 2006, afirmou à época: “Há evidências abundantes de uma conspiração importante e de alto nível no assassinato de meu marido”. Para ela, a máfia e várias agências governamentais estavam “profundamente envolvidas no assassinato e o Sr. Ray foi forçado a assumir a culpa”.

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    Martin Luther King Jr.
    Ativista dos direitos civis Martin Luther King Jr. com sua esposa, Coretta, observando seus filhos Martin Luther III, 3, e Yolanda, 5, brincando (Donald Uhrbrock/The LIFE Images Collection/Getty Images)

    Coretta e os filhos acreditavam que havia uma obsessão por parte do FBI, especialmente do diretor J. Edgar Hoover, com King, levando a constantes vigilâncias e a uma massiva campanha de difamação contra ele. Diversas vezes a família pediu por novas investigações que pudesse provar a inocência de Ray, todas negadas por falta de evidências.

    O advogado da família acredita que Hoover tenha sido o mandante da morte de King. Em entrevista ao jornal americano The Washington Post,  o filho mais velho do pastor, Martin Luther King III,  afirmou crer plenamente nesta versão dos fatos. “Acredito que foi exatamente isso que aconteceu. Hoover estava com tanta raiva que ele possuía ódio em seu coração. Certamente ele odiava meu pai. Ele tinha um ódio veemente a pessoas de cor”, afirmou ao periódico.

    King III também não acredita que a arma que afirmam ter sido usada por Ray seja de fato a utilizada no crime, pois, segundo ele, o assassino não a deixaria no local do crime. Mais pessoas passaram a crer no argumento de King III, agora com 60 anos, depois que testes balísticos não conseguiram provar se a bala que vitimou o Nobel da Paz saiu do rifle 30.06 Remington.

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    Ray morreu em 23 de abril de 1998, aos 70 anos, em decorrência de complicações renais causadas por hepatite C. Um de seus irmãos afirmou na época à CNN que Ray não gostaria de ser enterrado nos Estados Unidos por causa “do modo que o governo o tratou”. Suas cinzas foram levadas à Irlanda. Ao The Washington Post, os filhos de Martin Luther King voltaram a afirmar na semana passada que acreditam na inocência de Ray.

    “Eu não acredito que James Earl Ray tenha matado meu pai”, afirmou Bernice King, a filha mais nova, de 55 anos. “É difícil saber exatamente quem. Estou certa de que houve uma conspiração, desde o governo até a máfia… há mais de uma pessoa envolvida nisso tudo. Eu acho que tudo foi planejado.”

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