Por uma década inteira, o apresentador de rádio Alex Jones usou seu portal na internet, o Infowars, para propagar teorias da conspiração sem fundamento sobre o tiroteio em massa em Sandy Hook, uma escola de Ensino Fundamental em Connecticut, nos Estados Unidos. Ele fez repetidas alegações de que o massacre não teria sequer acontecido, e na verdade seria um estratagema elaborado para forçar políticas de controle de armas no país.
No entanto, Jones foi processado por difamação, e no julgamento admitiu: o ataque “foi 100% real”. E na quinta-feira 4, o júri ordenou que o propagador de teorias da conspiração de extrema-direita pagasse US$ 4,1 milhões em danos por suas alegações.
O veredicto ficou muito abaixo dos US$ 150 milhões ou mais que os demandantes solicitaram, mas significa uma vitória contra as fake news na era da pós-verdade. Dez dos 12 jurados assinaram o veredicto, o número mínimo necessário para uma decisão, já que o caso era civil e não criminal.
Em uma declaração em nome dos pais de uma vítima de Sandy Hook, de apenas seis anos, cujo processo iniciou o julgamento, o advogado Mark Bankston disse que seus clientes Neil Heslin e Scarlett Lewis ficaram “empolgados com o resultado e ansiosos para colocar o dinheiro de Jones em bom uso”.
Agora, nesta sexta-feira, 5, os jurados devem determinar se Jones merece quaisquer outros danos punitivos além da indenização da quinta-feira. “Com indenizações punitivas ainda a serem decididas e vários [outros assuntos legais pendentes], está claro que o tempo de Jones no palco americano está finalmente chegando ao fim”, acrescentou Bankston.
Heslin e Lewis, cujo filho Jesse Lewis foi morto durante o tiroteio em massa, depuseram durante o julgamento e detalharam o sofrimento, ameaças de morte e assédio que sofreram de conservadores depois que Jones usou o canal conspiratório de direita Infowars, bem como suas outras plataformas, para alardear as mentiras de que as 20 crianças e seis adultos assassinados no massacre da escola de Connecticut em 2012 nunca morreram.
Jones afirmou por anos que as vítimas e seus entes queridos eram “atores”, parte de uma estratégia dos progressistas para favorecer o controle de armas nos Estados Unidos.
Heslin e Lewis processaram Jones por difamação e inflição intencional de estresse emocional, e Jones perdeu por “W.O.” porque não forneceu nenhum documento em resposta ao processo dos queixosos. Isso virou um julgamento a partir de 25 de julho, cujo único objetivo era determinar quanto dinheiro Jones devia em compensação aos pais de Jesse Lewis e possíveis danos punitivos.
Os pais de Jesse disseram que precisariam de muito mais do que um pedido de desculpas – que receberam do acusado – para serem curados e pediram aos jurados que responsabilizassem Jones depois de argumentarem que ele tornou impossível para o casal superar o assassinato de seu filho.
As falsidades de Jones sobre os assassinatos de Sandy Hook fazem parte de um corpo maior de desinformação e teorias pelas quais ele teve que se desculpar – incluindo sua divulgação da chamada conspiração “Pizzagate”, que alegou falsamente que uma pizzaria de Washington D.C. era a sede de uma ampla rede, envolvendo políticos de alto escalão e estrelas de Hollywood, de abuso sexual infantil. Esse mito, consumido pelos milhões de seguidores de Jones, levou um homem a disparar com um rifle de alta potência contra a pizzaria em 2016.
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Antes do julgamento, Jones tentou proteger financeiramente sua empresa de mídia, a Free Speech Systems, que abriga a Infowars. A Free Speech Systems recentemente entrou com pedido de proteção federal contra falência, levando as famílias Sandy Hook a entrar com uma ação separada alegando que a empresa está usando entidades de fachada para proteger a fortuna de Jones e sua família.
O advogado de Jones, Andino Reynal, tentou persuadir os jurados de que não era razoável esperar que seu cliente pudesse prever os abusos que Heslin e Scarlett Lewis acabariam sofrendo.
Reynal pediu aos jurados que limitassem os danos de seu cliente a um único dólar, apesar das evidências durante o julgamento de que a Infowars ganhou mais de US$ 800.000 por dia em alguns períodos após o início da divulgação de mentiras sobre Sandy Hook. Jones, enquanto isso, retratou o caso como um ataque aos direitos de liberdade de expressão garantidos a ele pela primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos.
No entanto, em uma conversa com Reynal enquanto estava no banco das testemunhas, Jones reconheceu que suas posições sobre os assassinatos de Sandy Hook eram mentiras imprudentes.
“Conheci os pais”, disse Jones durante o julgamento. “É 100% real.”
Por sua vez, a equipe jurídica dos queixosos submeteu Jones a um interrogatório fulminante. Em um dos episódios mais memoráveis do julgamento, Bankston revelou a Jones que sua equipe jurídica havia “se atrapalhado” e fornecido “todas as mensagens de texto” que Jones havia escrito nos últimos dois anos.
Nessas mensagens, Jones contradizia as alegações havia feito sob juramento em um depoimento anterior, de que ele não tinha nada em seu telefone relacionado ao massacre de Sandy Hook. Bankston disse que notificou os advogados de Jones sobre o vazamento aparentemente errôneo, mas a defesa nunca tomou medidas para rotular as comunicações como “privilegiadas”, o que poderia mantê-los fora do tribunal.
Bankston pontuou o vai-e-vem na frente da juíza presidente, Maya Guerra Gamble, perguntando a Jones se ele conhecia a definição de perjúrio – o crime de mentir sob juramento.
Jones disse que sim, mas afirmou que nunca tentou esconder nada em seu telefone, o que explicava porque seus advogados tinham algo para enviar inadvertidamente em primeiro lugar. Então resmungou que Bankston havia conseguido seu “momento Perry Mason” às suas custas, aludindo ao advogado de televisão que ganharia seus casos fazendo com que aqueles que ele questionava confessassem dramaticamente a transgressão no banco das testemunhas.
Agora, outros pais de Sandy Hook estão perseguindo o caso, que também ganharam processos “por W.O.” no ano passado depois que Jones se recusou a apresentar quaisquer documentos que eles exigiram.