As ideias originais são fundamentais para qualquer trabalho acadêmico — sem elas, não há validação possível. A exigência é um dos pilares do método científico que, desde o século XII, ampara o surgimento de novas teorias, responsáveis por fazer girar a roda do conhecimento. O constante aprimoramento do sistema de controle do que é inédito, contudo, jamais foi capaz de livrá-lo de um problema que o acompanha desde os primórdios da civilização: o plágio, despudorado e infame. É no que cresceu com o avanço da tecnologia que permitiu replicar textos com um simples “ctrl-C, ctrl-V” e, agora, explode no vácuo do crescimento dos recursos de inteligência artificial (IA). Vive-se uma nova era, capítulo inédito da história em que as fronteiras foram esmaecidas (o que é cópia, afinal, na escola, na música, na arte?). Ao mesmo tempo, felizmente, há tecnologias afeitas a controlar e expor a malandragem de forma inédita. A maioria dos centros de ensino respeitáveis adotou programas de computador capazes de detectar similaridades, aumentando exponencialmente o número de alunos e professores enredados pela prática. É resposta saudável.
Estudos apontam que cerca de um quinto dos trabalhos acadêmicos no mundo têm algum tipo de fraude autoral, o que inclui citação de pensamentos alheios sem o devido crédito e o chamado autoplágio, quando o autor repete trechos de obras dele próprio publicados anteriormente. O caso mais recente e barulhento ocorreu no início do ano, quando a então reitora da ultraprestigiada Universidade Harvard, nos Estados Unidos, foi acusada de copiar dissertações pregressas, sem que qualquer remissão a seus autores fosse feita. Primeira mulher negra a ocupar o cargo, Claudine Gay, 53 anos, teria recorrido ao embuste no período em que foi estudante da graduação e também durante a obtenção do diploma de PhD, em 1997. Os fatos vieram à tona depois que protestos contra a ação de Israel na Faixa de Gaza ocuparam o campus, o que também lhe rendeu imputações de antissemitismo. Sem apoio político ou acadêmico, acabou renunciando.
No Brasil, o plágio afeta quatro em cada dez artigos nas universidades, embora tudo indique ser estatística que já caducou. O assunto só passou a ser tratado a sério por aqui em 2011, quando a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes) emitiu uma recomendação para que todas as instituições adotassem políticas de conscientização e proteção à propriedade intelectual. “Esse tipo de contrafação retarda o desenvolvimento da ciência nacional”, diz Marcelo Krokoscz, diretor pedagógico que há 15 anos estuda o tema. “Se você replica coisas que já foram ditas, não está contribuindo para o avanço das ciências.” Nem todos os casos, porém, são fruto da desonestidade. Muitos estudantes simplesmente desconhecem as regras de citação. “Mais do que nunca, quem supervisiona a produção acadêmica precisa garantir que a qualidade seja de fato relevante, diante de regras claras”, afirma Sarah Elaine Eaton, autora do Plágio no Ensino Superior: Enfrentando Tópicos Difíceis na Integridade Acadêmica.
Os primeiros relatos de plágio remontam à Antiguidade. Virgílio (70 a.C.-19 a.C.), o renomado poeta do Império Romano e autor de Eneida, a epopeia que narra as guerras vividas por Eneias, reclamava que seus textos eram copiados sem que ninguém lhe desse crédito. Curiosamente, alguns críticos literários sustentam que ele viria a inspirar Luís de Camões, em Os Lusíadas. Os versos iniciais da obra do escritor português “As armas e os barões assinalados” teriam vindo de “As armas e o varão (herói) eu canto”, retirados de Eneida. Definições mais claras do que é cópia e o que é mera referência só surgiriam no início do século XX, quando instituições dos Estados Unidos e da Europa criaram normas claras sobre como citar conceitos já estabelecidos. E, então, a IA bagunçou o roteiro, ao misturar alhos e bugalhos numa sopa razoavelmente bem-feita — mas que esconde a farsa.
Programas como o ChatGPT criam novos conteúdos a partir de informações que foram produzidas por fontes humanas. Dezessete escritores renomados decidiram processar a OpenAI, dona da tecnologia, alegando roubos sistemáticos de suas obras para treinar a ferramenta. Entre os denunciantes estão alguns dos maiores campeões de venda do mercado editorial, como George R.R. Martin, autor de Game of Thrones, e John Grisham, que escreveu best-sellers adaptados para o cinema, como A Firma. A esperteza dos estudantes em recorrer ao cérebro eletrônico para realizar as lições de casa também está na mira da Justiça. No Reino Unido, 400 alunos de instituições renomadas, como a Universidade de Glasgow, estão sob investigação por usar o ChatGPT para concluir seus textos. Se condenados, podem acabar expulsos. “Antes, era comum ir à biblioteca para pesquisar um assunto, o que envolvia horas de dedicação”, diz o antropólogo Bernardo Conde, da PUC-Rio. “Hoje, prefere-se copiar para economizar tempo.” O atalho é cada vez mais tentador, mas arriscado e desonesto.
Publicado em VEJA de 1º de março de 2024, edição nº 2882