Passado um mês da instalação da mais extremista coalizão de governo já vista em Israel, a trágica espiral de conflito nas eternamente tensas relações entre israelenses e palestinos voltou a girar mais rápido. No final de janeiro, uma operação do Exército de busca de militantes do grupo terrorista Jihad Islâmica Palestina resultou em dez mortos e vinte feridos no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia, área sob ocupação desde a guerra de 1967. No dia seguinte, a fatia oriental de Jerusalém, de maioria árabe, foi palco do pior ataque terrorista em quinze anos, quando um atirador matou sete pessoas em uma sinagoga. Ao longo das últimas semanas, aumentou de frequência e intensidade a rotina de choques na região ocupada, onde jovens palestinos se organizam em novos grupos radicais e colonos judeus reforçam os assentamentos existentes e se empenham em expandir sua presença no território. Também voltaram a chover foguetes disparados de Gaza, rebatidos por ataques da Força Aérea israelense.
A atual escalada de violência é reflexo da configuração de poder neste sexto mandato do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que, para conseguir o cargo, costurou uma coalizão com o Sionismo Religioso, fusão de três partidos radicais nanicos, até então relegados às franjas do sistema político, que compactuam posições ultranacionalistas e antiárabes. Entre as figuras controversas nomeadas para cargos de liderança está Itamar Ben-Gvir, titular do Ministério de Segurança, que controla as ações da polícia. Ex-colono, adepto da ideia de que a Cisjordânia é parte integrante da Israel bíblica, Ben-Gvir — que começou a carreira no Kach, movimento que acabou banido e classificado de organização terrorista — defende a imunidade para as forças de segurança no exercício da função, apoia a pena capital para palestinos que matem israelenses e instruiu seus comandados a intensificar a destruição de casas de famílias palestinas em situação supostamente irregular na cidade. Outro ex-colono, Bezalel Smotrich, assumiu a chefia da seção do Ministério da Defesa que fiscaliza construções e demolições na Cisjordânia.
Fazem parte da declaração de intenções do novo governo a reafirmação do direito exclusivo dos judeus à Cisjordânia e o compromisso de anexar oficialmente o território e legalizar os inúmeros assentamentos irregulares lá instalados. Netanyahu insiste em afirmar que não apoia medidas drásticas, mas, para se manter no governo, após sucessivos colapsos de coalizões e cinco eleições nacionais desde 2019, e garantir a rara maioria de 64 dos 120 assentos no Parlamento, precisa ceder a demandas dos seus controversos aliados. “Ele é uma espécie de refém, o que não quer dizer que não esteja atendendo a seus próprios interesses”, diz Liron Lavi, professor de ciência política da Universidade Bar-Ilan, em Tel Aviv. Entra nessa conta a reforma do sistema judiciário, que tem tudo para beneficiar o primeiro-ministro enrolado em três processos por corrupção.
Netanyahu jura que a reforma é bandeira dos colegas de coalizão e que não vai interferir no processo, mas seu ministro da Justiça, Yariv Levin, está determinado a restringir os poderes da Suprema Corte, um órgão sério e independente, introduzindo uma “cláusula de substituição” que permitiria ao Parlamento aprovar leis consideradas inconstitucionais e nomear juízes, impedindo ao mesmo tempo o tribunal de anular decisões parlamentares. Parceiros fiéis e cruciais de Israel, os Estados Unidos despacharam o secretário de Estado, Antony Blinken, para uma conversa em tom de advertência com Netanyahu. Blinken insistiu na defesa da solução de dois Estados para o conflito com os palestinos, lembrando que “é preciso acalmar as tensões, em vez de aumentá-las”, e ressaltou a importância dos “princípios e instituições democráticas essenciais”, em referência indireta à reforma judicial. Em paralelo, boa parte da população vem participando de uma onda de protestos contra a ameaça à independência do Judiciário que reuniu mais de 100 000 pessoas em Tel Aviv no sábado 4. Em cartas abertas, dois ex-presidentes do Banco Central e 370 economistas alertaram para o fato de que, ao enfraquecer a Suprema Corte, o governo torna Israel menos atraente para investidores, prejudicando a economia nacional. Resta ver até que ponto essas ponderações conseguirão impedir que Netanyahu e aliados abram rachaduras nos alicerces da democracia mais sólida da região.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828