Sem orientação nem chanceler definido, Jair Bolsonaro (PSL) provocou sérias confusões, atritos e controvérsias nas relações do Brasil com o mundo nestes seus nove dias como presidente eleito. Em algumas questões sensíveis, como a mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, voltou atrás. Em outras, passou pelo vexame de tomar um pito do alvo de suas críticas.
A ausência de uma orientação clara sobre política externa e o impulso do presidente eleito para tratar da matéria prejudicam a imagem do Brasil no exterior e os interesses de setores nacionais. Até agora, Bolsonaro definiu seus ministros de Economia, Casa Civil, Justiça, Defesa, e Ciência e Tecnologia. Mas para a casa de Rio Branco não há sinal de quem poderá ser seu escolhido.
Bolsonaro somente adiantou que o futuro chanceler será um diplomata. Seguindo essa lógica, pelo menos doze nomes de diplomatas surgiram na imprensa nos últimos dias como potenciais escolhas para o Itamaraty. Nenhum foi confirmado. Outros dois nomes de fora da carreira foram apontados, para o caso de Bolsonaro voltar atrás — a senadora Ana Amélia (PP-RS), que o apoiou no segundo turno, e o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança, que continua se mobilizando pelo posto.
“Estou mais perdido do que cego em tiroteio”, disparou o veterano embaixador Marcos Azambuja, ao dizer-se perplexo com os anúncios de Bolsonaro. “É preciso separar a retórica do candidato recém-eleito dos atos de seu futuro governo. O Brasil mudou. Minha função é entender esse novo país”, completou.
Na semana passada, Bolsonaro confirmou ao jornal Israel Hayon a mudança da embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém, uma medida que significa o reconhecimento da soberania israelense sobre a cidade sagrada. O presidente eleito demonstrou desconhecimento dos fatos de que a Autoridade Palestina reclama soberania sobre Jerusalém Oriental e de que as Nações Unidas jamais reconheceram a cidade como parte de Israel.
A iniciativa produziu a primeira retaliação estrangeira ao governo brasileiro. O Egito cancelou uma visita oficial do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, marcada para a próxima quinta-feira, 8. A decisão chegou a Brasília acompanhada de desculpa corriqueira na diplomacia: problemas de agenda.
A declaração de Bolsonaro provocou o enfurecimento dos países árabes, que constituem um mercado importador de quase 10 bilhões de dólares em produtos brasileiros. Na segunda-feira, em entrevista para a TV Band, o presidente eleito voltou atrás. Disse que, antes de bater o martelo sobre o tema, vai escolher e ouvir seu futuro chanceler.
Nestes nove dias, Bolsonaro falou em cortar as relações diplomáticas do Brasil com Cuba e criticou o Acordo de Paris, com compromissos para diminuir os impactos da mudança climática. Em uma seara bem mais complicada, vem transmitindo mensagens controversas sobre a cooperação do país com a China, o maior parceiro comercial do Brasil e um de seus principais investidores.
Em diversas ocasiões durante a campanha, Bolsonaro apontou a China como um predador, que busca dominar importantes setores da economia brasileira. Sua postura acendeu um sinal de alerta no gigante asiático em relação a novos investimentos.
Projetos de empresas chinesas no Brasil confirmados desde 2003 representam aportes de 54,1 bilhões de dólares, segundo um boletim do Ministério do Planejamento no mês passado, com outros projetos já anunciados no período que envolvem 70,4 bilhões de dólares. Diante da atual incerteza, empresários chineses puseram seus projetos “em compasso de espera” e aguardam sinalizações do presidente eleito antes de definirem novos negócios. A hesitação, definitivamente, não é positiva para o novo governo.
“Ainda que Bolsonaro tenha imitado o presidente dos Estados Unidos ao ser vocal e ultrajante para captar a imaginação dos eleitores, não existe razões para que ele copie as políticas de (Donald) Trump”, alertou o jornal estatal China Daily.
Nesta segunda-feira, depois de encontro com o embaixador chinês, Li Jinzhang, Bolsonaro afirmou que o comércio com o país asiático poderá ser ampliado em seu governo.
‘Trump brasileiro’
Durante a campanha eleitoral, não faltaram comparações entre Bolsonaro e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em especial pela linha ideológica e pela defesa de questões polêmicas, comum aos dois. O brasileiro parece gostar dos paralelos traçados e tenta adotar algumas condutas bastantes semelhantes. Por diversas vezes, declarou sua admiração por Trump, afirmando que ele tem feito um “excelente” governo.
A postura crítica em relação à política comercial chinesa e o desejo de transferir a embaixada em Israel mostram que as comparações têm fundo de verdade. Também indicam as consequências de ações tão radicais. Desde que Trump mudou a representação diplomática dos Estados Unidos para Jerusalém, as conversas de paz entre israelenses e palestinos estão totalmente paralisadas, e a violência na fronteira com a Faixa de Gaza já deixou mais de 200 mortos.
O medo de uma guerra comercial patrocinada pelas disputas entre Washington e Pequim também elevou a tensão no cenário mundial e provocou recuos nas estimativas de crescimento da economia mundial.
A dificuldade em manter suas posições e a falta de domínio sobre temas internacionais, contudo, podem render a Bolsonaro o título de “Trump falsificado”.
América Latina
Em campanha e depois de eleito, Bolsonaro demonstrou suas intenções de se distanciar dos governos de esquerda da América do Sul, especialmente de Cuba e da Venezuela.
Em relação ao governo de Nicolás Maduro, o presidente eleito já deixou claro que se posicionará como forte oposição. Mas seu futuro ministro da Defesa, general Augusto Heleno, indicou não haver fundamentação nas especulações de que tenha a intenção de apoiar uma intervenção militar ou declarar guerra ao país vizinho.
Suas indicações de que poderia fechar a embaixada brasileira em Havana, contudo, preocupam a comunidade diplomática brasileira. Muitos enxergam esse posicionamento como um retrocesso, uma vez que cortará de vez qualquer possibilidade de interlocução com o também novo governo cubano.
Bolsonaro também admitiu que não pretende manter o programa federal Mais Médicos da forma como está estruturado atualmente. O Brasil é um importante fornecedor de alimentos para Cuba e contrata seus profissionais da saúde desde a gestão de Dilma Rousseff (2011-2016). A oferta cubana de serviços médicos tornou-se uma importante fonte de receita. Em nível mundial, o país recolhe 11 bilhões de dólares com a iniciativa.
Apesar da tensão com os países bolivarianos, Bolsonaro tem se mostrado disposto a novas alianças com governos mais conservadores da América Latina, especialmente com o presidente chileno Sebastián Piñera. Suas iniciativas desde a eleição de 28 de outubro, entretanto, causaram barulho com o principal parceiro do Brasil no Mercosul e principal mercado para as manufaturas brasileiras, a Argentina.
Logo depois da vitória do candidato do PSL nas eleições, Piñera confirmou sua presença na cerimônia de posse em 1º de janeiro — o que será feito pela grande maioria dos governantes da região. Contrariando uma tradição brasileira, Bolsonaro decidiu pelo Chile como destino para sua primeira viagem internacional como líder eleito.
Os últimos presidentes embarcaram acertadamente para a Argentina. A essa confusão se somou a declaração do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Mercosul não está entre as prioridades do novo governo e que deverá ser reformado. Os argumentos de Guedes levam em conta a suposta ideologização do bloco durante os governos do PT e do casal Kirchner, na Argentina.
Com exceção da inclusão brusca e atabalhoada da Venezuela no bloco, revertida há dois anos com a suspensão do país, nem o PT nem os Kirchner deram a atenção merecida ao Mercosul. O bloco voltou a se movimentar somente depois das posses de Michel Temer, no Brasil, e de Maurício Macri, na Argentina. Tanto que está às vésperas de concluir seu maior acordo de liberalização comercial — com a União Europeia.