O parlamento de El Salvador aprovou na quarta-feira 26 uma série reformas da Lei Contra o Crime Organizado, possibilitando que mais de 71 mil presos sejam julgados coletivamente, sem direito à defesa individual. A decisão permite sessões conjuntas com até 900 detentos, nas quais defensores públicos teriam apenas “três a quatro minutos” para apresentar os casos dos acusados, de acordo com as Nações Unidas.
A proposta foi encabeçada pelo presidente salvadorenho, Nayib Bukele, que governa sob um regime de exceção, quando a Constituição é suspensa em meio à situações de calamidade. Com poder concentrado, Bukele defende que o país está submerso em uma violência desenfreada provocada por gangues, enxergando motivos para renovar a medida, implementada em março de 2022.
A recente decisão parlamentar foi fortemente questionada por ativistas de grupos de defesa de direitos humanos. Eles alegam que ao menos 5.490 detidos são “vítimas diretas e inocentes” de uma política opressiva e que julgamentos em massa prejudicariam sua defesa.
Em contrapartida, deputados do partido governista Nuevas Ideas afirmam que a reforma “tornaria mais fácil para os juízes sentenciar os criminosos mais rapidamente e evitaria a libertação de membros dessas estruturas criminosas”.
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Em maio, especialistas das Nações Unidas informaram que audiências iniciais, responsáveis por analisar a legalidade das prisões, estavam sendo realizadas em grupos compostos por cerca de 500 pessoas, “prejudicando o exercício do direito de defesa e a presunção de inocência dos detentos”.
O órgão internacional defende ainda que “o uso excessivo da prisão preventiva, a proibição de medidas alternativas, julgamentos à revelia e a possibilidade de usar práticas como ‘juízes sem rosto’ e testemunhas de referência, ameaçam as garantias do devido processo legal”.
Apesar dos questionamentos de ativistas, as medidas de Bukele aumentaram sua popularidade por neutralizar as atividades de membros de gangues no país. A violência nas penitenciárias, contudo, tem chamado a atenção da ONG Anistia Internacional, que denunciou que sequestros e torturas faziam parte do modus operandi do governo. A instituição revelou, além disso, que 132 pessoas morreram sob custódia do Estado.
Integrando o rol dos críticos, o deputado da oposição Jaime Guevara destacou que as reformas propostas por Bukele representam um “um risco e uma ameaça para os presos inocentes que estão aguardando um processo penal justo”.
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“Isso significaria que qualquer pessoa capturada é incluída em um grupo de gangues para que enfrente seu processo criminal como uma estrutura e não individualmente, o que viola o devido processo legal”, disse.
A presidência da Câmara Criminal do Supremo Tribunal de Justiça recebeu o projeto de lei apenas 24 horas antes de sua aprovação. O tempo curto não impediu que a proposta fosse analisada pela magistrada Sandra Luz Chicas. Ela ressaltou, então, que a reforma conta com elementos “decorativos” e altera a função dos juízes.
“Parece que o juiz vai ficar só no papel e não vai poder avaliar”, contestou Chicas.