O FiveThirtyEight, site americano focado em pesquisas de opinião, fez um exercício interessante. Usando uma combinação de levantamentos de intenção de votos e questões “fundamentais” de campanha, como condições econômicas, partidarismo estadual, probabilidade dos eleitores irem às urnas e o efeito incumbência (quando um candidato é o atual dono do cargo público), a plataforma analisou 1.000 cenários possíveis para as eleições nos Estados Unidos deste ano.
Com base nos dados até esta quinta-feira, 31, o republicano Donald Trump vence a corrida pela Casa Branca em 513 deles. Kamala Harris, a atual vice-presidente e candidata democrata, o derrota em outros 484.
Ou seja, se as eleições fossem hoje — e não na próxima terça-feira, 5 de novembro —, Trump teria 51% de chances de ganhar. Kamala, um pouco atrás, teria 48%. É um sinal de alerta para ela, que tinha a liderança desde o dia 8 de agosto, mas passou para o segundo lugar a partir de 18 de outubro. É claro que nada é escrito em pedra, e a projeção serve apenas para dar uma ideia da probabilidade de cada candidato vencer.
Existe um terceiro cenário, porém. Em três das 1.000 simulações, Kamala e Trump ficaram empatados, como em duas pesquisas da semana passada. Um levantamento da emissora americana CNN mostrou os dois candidatos com 47% das intenções de voto; outro do jornal The New York Times colocou os dois empatados em 48%. Essa é, portanto, uma das disputas mais acirradas da história americana.
De acordo com o FiveThirtyEight, há menos de uma em 100 chances de não haver vencedor. A probabilidade é baixíssima. Mas e se?
O único empate da história
Os candidatos americanos competem pelo Colégio Eleitoral. Nesse sistema, cada estado recebe um certo número de votos baseado no tamanho de sua população. Há 538 votos em jogo, e o vencedor da disputa à Presidência precisa receber 270 deles ou mais. Contudo, se os 538 votos se dividirem em 269 para Trump e 269 para Kamala, o Artigo II, Seção 1, da Constituição americana prevê uma intervenção da Câmara e do Senado para resolver a chamada “eleição contingente”.
O cenário é extremamente improvável, tanto que só ocorreu uma vez na história dos Estados Unidos. Na eleição presidencial de 1800, apenas a quarta da então jovem nação, Thomas Jefferson e Aaron Burr receberam exatamente 73 votos cada um, produzindo o primeiro e único empate do Colégio Eleitoral — até agora.
Naquela ocasião, uma Câmara dos Deputados amargamente dividida chegou a um impasse 36 vezes antes de finalmente escolher Jefferson como presidente. O resultado foi ainda mais desgastante porque, de acordo com a legislação da época, o segundo colocado se tornava vice-presidente. Ou seja, Burr preencheu o cargo, compondo uma chapa extremamente hostil. Quatro anos depois, o Congresso determinou que o voto para vice seria separado.
Kamala x Trump
Um cenário semelhante poderia ocorrer nesta eleição. De acordo com o 270 to Win, um portal independente de análise política, atualmente há 207 votos de Colégio Eleitoral que vão “definitivamente”, “provavelmente” ou “estão inclinados a ir” para a democrata. Já para o republicano, o número sobe para 238 — o que significa que 93 votos estão “em disputa”, concentrados nos estados do Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin.
Tanto o FiveThirtyEight como o 270 to Win preveem três cenários de empate:
- Kamala vence na Pensilvânia, Geórgia, Carolina do Norte e Arizona; Trump vence no Michigan, Nevada e Wisconsin;
- Kamala vence na Pensilvânia, Geórgia, Arizona, Nevada e Wisconsin; Trump vence na Carolina do Norte e Michigan;
- Kamala vence na Pensilvânia, Carolina do Norte, Arizona, Nevada e Wisconsin; Trump vence na Geórgia e Michigan.
Se for esse o caso, conforme determinado pela Constituição, os 435 membros da Câmara dos Deputados devem escolher o próximo presidente. Ao contrário do sistema de Colégio Eleitoral, em que uma população maior equivale a mais votos, cada um dos 50 estados que compõem a Câmara (as delegações) tem direito a exatamente um voto.
Por exemplo, um voto entre os deputados da Geórgia — que tem cinco democratas e nove republicanos — iria para o candidato republicano. Já Michigan — que tem sete democratas e seis republicanos — provavelmente escolheria a democrata. O texto constitucional determina que a Câmara tem até o dia 4 de março do ano seguinte para escolher um novo líder.
Nesse sistema, estados menores como Wyoming, Montana e Vermont, com apenas um representante, detêm tanto poder quanto a Califórnia ou Nova York. Críticos dizem que isso torna a eleição desproporcional: os dez maiores estados, que têm metade da população, teriam 20% dos votos, enquanto os 40 estados restantes, com menos da metade da população, teriam 80% dos votos.
E o Senado?
Enquanto isso, o Senado fica encarregado de escolher o vice-presidente. Cada um dos 100 senadores tem direito a um voto, e o resultado é determinado pela maioria simples de 51, sem limite de tempo algum ao processo. Essa separação entre as casas legislativas poderia levar a um cenário semelhante ao de 1800, porque o país poderia ter um presidente democrata e um vice-presidente republicano, por exemplo.
A possibilidade de um empate torna a batalha pelo Senado ainda mais relevante. Estão em jogo 23 cadeiras democratas e independentes e apenas nove republicanas, então o partido de Trump tem mais chances de sair por cima. Se os republicanos conquistarem a maioria na casa, o vice provavelmente será de seu partido.
Com os números pares (de 50 votos na Câmara e 100 no Senado), contudo, ainda pode haver um empate. De acordo com a Constituição, se a Câmara não sair de um impasse sobre o presidente e o Senado já tiver escolhido um vice, este deve assumir como presidente interino até que o assunto seja resolvido.
Se nem o Senado nem a Câmara conseguirem decidir a eleição contingente, o presidente da Câmara — neste caso, o deputado Mike Johnson, um republicano da Louisiana — se tornaria presidente interino até o resultado do Congresso.
Em outras palavras, todos continuam votando até que o empate seja desfeito.