O nome de Alexander Dugin estampou manchetes ao redor do mundo após o atentado que matou sua filha, Darya Dugina, perto de Moscou na noite de sábado 20 – ataque que, segundo serviços de segurança russos, visava, na verdade, seu pai. No entanto, no Brasil, a figura está longe de ser desconhecida. Apontado como o “guru ideológico” do presidente Vladimir Putin, e comparado em influência ao brasileiro Olavo de Carvalho, Dugin tem ligações com o Brasil e um número notável de seguidores no país.
O filósofo e cientista político já viajou duas vezes para o Brasil, tendo fundado, inclusive, um centro de estudos em São Paulo em parceria com uma de suas seguidoras. Mais que isso, fala português, escuta MPB, bossa nova e consome literatura brasileira – seus favoritos são Vinícius de Morais e Ariano Suassuna.
A primeira vez que visitou o Brasil foi em 2012, quando participou de eventos em pelo menos quatro capitais e foi fotografado em um boteco do Rio de Janeiro e tomou chimarrão em Curitiba. Um ano antes, participou de um debate com sua versão brasileira, Olavo de Carvalho, que depois virou livro: “Os EUA e a nova ordem global”.
Uma de suas obras de referência, compartilha semelhanças com o pensamento do brasileiro, incluindo a aversão ao chamado “globalismo”, teoria ultranacionalista (que beira à conspiração) de que haveria uma espécie de complô de organizações supranacionais para subjugar o poder dos estados.
No entanto, os dois divergem em muitos pontos, como a posição da China na nova ordem mundial. O discurso anti-Pequim conhecido de Olavo – ainda mais evidenciado durante a pandemia da Covid-19 – bate de frente com a visão de Dugin de que a China é parte da construção de uma resposta aos Estados Unidos. Para o russo, a chamada “Nova Rota da Seda”, um dos pilares da diplomacia chinesa, seria um caminho para garantir a independência de Moscou e Pequim.
A segunda visita de Dugin ao Brasil ocorreu em 2014, quando atendeu um seminário sobre as ideias do filósofo Julius Evola (1898-1974), considerado um dos teóricos do neofascismo italiano. (Naquele mesmo ano, a Rússia invadiu a Crimeia, algo defendido pelo filósofo russo. Durante uma palestra, na Rússia, disse que os ucranianos “deveriam ser mortos”. Pouco depois, foi demitido da Universidade Estatal de Moscou.)
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Na época, o russo já tinha seguidores no Brasil e, com uma delas, a filósofa Flávia Virgínia, criou o Centro de Estudos da Multipolaridade, um think tank cuja ideia principal é que polos alternativos de poder para além do Ocidente são necessários.
O centro, atualmente, está desativado. Virginia, que é filha do cantor Djavan, tocou o projeto com a participação de alguns acadêmicos da Universidade de São Paulo em eventos até, pelo menos, 2019.
O trabalho que impulsionou Dugin à proeminência foi os “Fundamentos da Geopolítica”, de 1997, no qual ele expôs sua visão de um império eurasiano, estendendo-se de Dublin a Vladivostok. O livro defendia semear a instabilidade e a dissidência nos Estados Unidos – espécie de prévia da campanha de desinformação que manchou as eleições presidenciais de 2016 no país.
Em uma passagem, ele escreveu: “É especialmente importante introduzir desordem geopolítica na atividade interna americana, incentivando todos os tipos de separatismo e conflitos étnicos, sociais e raciais, apoiando ativamente todos os movimentos dissidentes – grupos extremistas, racistas e sectários, desestabilizando, assim, os processos políticos internos nos Estados Unidos”.
No Brasil, a quantidade de discípulos do russo não chega perto dos admiradores de Olavo de Carvalho, mas o duguinismo brasileiro é notável. Uma das principais organizações é a Nova Resistência (NR), criada em 2015 no Rio de Janeiro, que reúne cerca de 250 militantes em células espalhadas por 20 estados.
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Em um post do NR sobre o atentado à filha de Dugin, um de seus membros, Felipe Quintas, escreveu: “Manifesto toda a minha solidariedade ao Dugin e sua família. Por mais que eles padeçam nesse momento, estão eternizados na contribuição decisiva que deram para um mundo liberto do imperialismo e do colonialismo.”
O centro dedica-se à propagação das ideias de Dugin e da sua “Quarta Teoria Política”, em que o filósofo defende uma alternativa às três ideologias que dominaram o século 20: liberalismo, comunismo e fascismo. Segundo a proposta, o sujeito principal da história não é o indivíduo ou o Estado, mas o povo em conjunto. A teoria se traduz no “eurasianismo” no contexto europeu – a expansão de Moscou para todas as regiões de influência histórica do “mundo russo”, mesmo as pertencentes a outros países, como a Ucrânia.
Outro expoente do duguinismo no Brasil é o movimento Frente Sol da Pátria, criado por dissidentes da NR. Na página de Facebook do grupo, o atentado contra Dugina também suscitou reações.
“Independentemente de quaisquer críticas justas que possam ser feitas a algumas de suas teorias e a seus posicionamentos mais recentes, as ideias de Dugin sobre a multipolaridade e a Quarta Teoria Política bem como sua crítica ao racismo ocidental têm influenciado acadêmicos, patriotas e revolucionários no mundo inteiro”, publicou o movimento.
Neste ano, no final de abril, também foi anunciada uma palestra de Alexander Dugin no Brasil, com a participação de membros da Escola Superior de Guerra (ESG). Com a guerra já a todo vapor, o evento foi cancelado depois, mas o filósofo acabou participando de uma live em em canal brasileiro, o Arte da Guerra.
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Vindo de uma família de oficiais militares russos, Dugin foi de ideólogo marginal a líder de uma corrente proeminente de pensamento na Rússia, fundando o termo “o mundo russo”. Essa vertente de pensamento incorporou uma profunda aversão à identidade da Ucrânia fora da Rússia.
Dugin também ajudou a reviver a expressão Nova Rússia – que incluía territórios de partes da Ucrânia – antes da anexação russa da Crimeia em 2014. Putin, inclusive, usou a palavra ao declarar a Crimeia parte da Rússia em março daquele ano. O filósofo também trabalhou o conceito do “espaço pós-soviético”, que foi absorvido pelo presidente russo.