Não é por pura teimosia que Donald Trump segue apregoando, sem resquício de prova, que a eleição presidencial de 2020 foi fraudada e que quem ganhou foi ele — a balela lhe dá um selo da continuidade no poder. “Aos olhos de seus seguidores, ele não é ex-presidente, é presidente no exílio”, diz Joe Lowndes, professor de ciência política da Universidade do Oregon. Usando e abusando dessa condição fictícia, Trump passou os catorze meses desde o fim de seu mandato cimentando o controle sobre a máquina do Partido Republicano.
Com enorme sucesso, ele montou uma azeitada máquina de amealhar doações milionárias, distribuir favores e aniquilar rivais. Fez de seu endosso um trunfo cobiçadíssimo nas primárias para a escolha dos candidatos do partido a todas as vagas na Câmara (435), 35 no Senado, 39 governadores e uma infinidade de outros cargos federais e estaduais. Na briga de republicano contra republicano, Trump está ganhando de lavada: soma 39 vitórias em quarenta primárias. É possível imaginar o tom do Congresso que pode sair daí.
Políticos de toda parte empreendem a peregrinação a Mar-a-Lago, na Flórida, misto de clube e resort onde Trump mora e mantém um escritório com mesa parecidíssima com a do Salão Oval. Para agradá-lo, alguns contratam seus ex-assessores, outros levam presentes — o senador Rick Scott, da Flórida, aspirante à reeleição, o presenteou com um cálice dourado a título de Prêmio da Liberdade. David McCormick, aspirante ao Senado na Pensilvânia, passou por lá com o intuito de falar mal do rival, Mehmet Oz — o famoso Dr. Oz da TV —, e acusá-lo de “andar com as companhias erradas” devido à ascendência turca. Muitos compram espaço publicitário na Fox News, canal de TV que mantém relação simbiótica com o ex-presidente, e dirigem anúncios digitais especificamente para o seu canto na Flórida. “O método da escolha dele não é 100% claro. Mas dá para identificar um padrão no favorecimento de quem exagera em elogios públicos e rejeita a derrota nas urnas”, diz Seth Masket, diretor do Centro de Política Americana da Universidade de Denver.
Nas quatro primárias mais recentes, quem pisou no palanque com Trump não se arrependeu. Em Ohio, os 22 que ele apoiou ganharam a candidatura, sendo o principal o financista e escritor J.D. Vance, ex-desafeto que chegou a chamá-lo de “Hitler americano”. Autor de Hillbilly Elegy, que virou filme na Netflix (no Brasil, Era Uma Vez um Sonho, com Glenn Close e Amy Adams), Vance comia poeira na disputa quando, em 15 de abril, declarou seu arrependimento e caiu nas graças do ex-presidente. Três semanas depois, levou a candidatura ao Senado. A única derrota foi em Nebraska, onde o ungido, o empresário Charles Herbster, foi acusado de abuso sexual poucas semanas antes da votação.
Pela liderança e pelos resultados, tudo leva a crer que ele será o candidato do Partido Republicano nas próximas eleições — uma situação inédita para um ex-ocupante da Casa Branca. O cofre de doações do ex-presidente acumula 120 milhões de dólares, sem contar o que o Comitê Nacional arrecada com slogans como “ Filiação Vitalícia a Trump”. Em campanha permanente, seus frequentes comícios atraem multidões. Segundo as pesquisas, dois terços dos eleitores republicanos desejam que ele lidere o partido e metade apoia sua candidatura em 2024. Para Donald Trump, ser ex não tem valor.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789