Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

Desordem na casa: até rebelião no Partido Republicano joga contra Biden

Dores de cabeça não faltam nesta fase inicial da campanha para derrotar Trump e permanecer mais quatro anos na Casa Branca

Por Ernesto Neves, Amanda Péchy Atualizado em 4 jun 2024, 10h23 - Publicado em 7 out 2023, 08h00

Diante do olhar estarrecido da maior parte do plenário, um voto de desconfiança destituiu o presidente da Câmara de Deputados dos Estados Unidos, segundo na linha de sucessão presidencial — a primeira vez na história que um detentor do cargo é removido. O republicano Kevin McCarthy foi atropelado, na terça-fei­ra 3, por seus próprios correligionários: na votação da moção apresentada por Matt Gaetz, expoente da direita radical, os democratas em peso disseram “sim” à remoção de McCarthy, o que era de esperar, mas foram acompanhados por oito republicanos da tropa de choque trumpista (Donald Trump, boquirroto contumaz, assistiu calado a toda a movimentação). À primeira vista, a aberta rebelião nas hostes republicanas só prejudica o próprio partido. Mas na tormentosa situação política em Washington, a mostra de força de um punhado de deputados extremistas dispostos a ver o circo pegar fogo representa uma dor de cabeça para o projeto de reeleição de Joe Biden. E dores de cabeça não faltam nesta fase inicial da campanha para derrotar Trump e permanecer mais quatro anos na Casa Branca.

Refletindo a brecha política que divide a população, o Congresso atual está rachado entre as ínfimas maiorias dos democratas no Senado e dos republicanos na Câmara. Nessa casa, o bonde dos radicais não chega a duas dezenas de deputados, a maioria em primeiro mandato, mas sua capacidade de chacoalhar estruturas e fazer barulho ecoa desde o início do ano, respingando sem parar em Biden. Em nome da exigência de um corte radical dos gastos do governo, eles fazem de tudo para desidratar e emperrar projetos de lei. Mais recentemente, empacaram até o último minuto a elaboração de um acordo suprapartidário para impedir um shutdown, como é chamado o fechamento da torneira de recursos para a máquina pública funcionar — negociação tocada por McCarthy que, no fim das contas, não evitou sua defenestração. O acordo é temporário e a nova data-limite, com nova briga à vista, é 17 de novembro.

DISPENSADO - McCarthy: vencido pela pressão do bonde trumpista na Câmara
DISPENSADO - McCarthy: vencido pela pressão do bonde trumpista na Câmara (Mandel NGAN/AFP)

Nessa última queda de braço, Biden sofreu um baque extra com a exclusão do orçamento aprovado de uma ajuda de 6 bilhões de dólares à Ucrânia, um ponto de honra do presidente que os trumpistas detonaram sem dó, ainda por cima com apoio popular — segundo uma pesquisa recente, 55% dos americanos acham que o Congresso não deve autorizar mais financiamento para a guerra. Por pressão do mesmo grupo, a Câmara abriu um processo de impeachment para investigar o envolvimento de Biden em supostos pagamentos impróprios feitos por empresas estrangeiras a seu filho Hunter, que também é alvo de inquéritos por porte ilegal de arma e sonegação de impostos. Investigações variadas sobre os negócios de Hunter Biden nunca produziram provas de irregularidades do pai, mas o andamento da ação deve prejudicar sua imagem durante a corrida eleitoral. “É uma medida extremista, feita para chamar atenção e travar o governo”, diz o professor de direito constitucional Philip Bobbitt, da Universidade Columbia.

A tropa trumpista, nesse caso apoiada pelos demais republicanos e até alguns democratas, vem torpedeando ainda os esforços do governo para conter a imigração ilegal, uma questão altamente impopular (só 23% dos americanos aprovam a ação da Casa Branca) e até agora insolúvel — no ano passado, 2,6 milhões de pessoas sem documentação foram apreendidas na fronteira, um recorde, e neste ano o fluxo diário bateu em 9 000 (leia abaixo). A persistente ameaça inflacionária pós-pandemia, que mantém os juros altos e mexe no bolso da população, sobretudo no crucial mercado imobiliário, contribui para a baixa avaliação do pré-can­didato à reeleição: apenas 36% da população acha positiva a gestão financeira do governo, mesmo com os níveis de emprego em alta. “Estamos diante de um enorme teste da capacidade de liderança dos democratas”, diz a cientista política Christina Greer, da Universidade Fordham.

Continua após a publicidade
NA FRENTE, AGORA - Trump: em alta nas pesquisas, apesar dos vários processos — ou talvez por causa deles
NA FRENTE, AGORA – Trump: em alta nas pesquisas, apesar dos vários processos — ou talvez por causa deles (Seth Wenig/AP/Imageplus)

Nesse cenário nada animador, a idade de Biden — que terá 82 anos se tomar posse pela segunda vez, em janeiro de 2025 — é outro fator contra, e dos mais sérios: 77% acham que ela atrapalha a atuação do presidente, que tem falhas de memória, divaga em entrevistas e já tropeçou tantas vezes em público que contratou um fisioterapeuta só para tratar disso. De acordo com levantamento da Associated Press, menos de 25% desejam que ele concorra novamente e mesmo entre os eleitores democratas, 55% preferem outro nome. Apenas o presidente Jimmy Carter e o próprio Trump tiveram apoio menor do que Biden nessa altura do mandato — e ambos perderam a reeleição.

Enquanto isso, seu concorrente mais provável, Donald Trump, não para de crescer nas pesquisas, mesmo com 91 acusações em quatro processos criminais nas costas — cada nova ação é enquadrada pelos trumpistas de raiz na muito alardeada “perseguição política” do ex-presidente. Resultado: uma recém-divulgada pesquisa do jornal The Washington Post e da rede de televisão ABC mostrou, pela primeira vez, que, se a eleição fosse hoje, Biden perderia de 42% a 51% para Trump. Entre os caciques democratas, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, 55 anos, aparece como um longínquo plano B. Um debate que tem marcado em novembro com Ron DeSantis, governador da Flórida e principal rival republicano de Trump, acende a esperança de que cause impacto e viabilize uma candidatura. Mas ele nega interesse, e Biden não dá mostra de que cogite abandonar o barco.

Em 2020, Biden já era dois anos mais velho do que Trump e pouco carismático, mas soube aproveitar a condição de único adversário possível para atrair os votos dos relutantes e ganhar a eleição. Passados três anos, sem conquistas vistosas para mostrar e com uma vice, Kamala Harris, completamente apagada, sumida mesmo, a situação do presidente é bem mais complicada. Muita troca de farpas, disputa voto a voto e declaração em letras maiúsculas há de rolar até agosto, quando as convenções dos dois partidos terão definido seus candidatos, e mesmo até 5 de novembro de 2024, quando os americanos irão às urnas, finalmente. Mas, a julgar pela situação e pelas pesquisas de agora, Biden vai ter de rebolar — e não tropeçar — para reverter as expectativas e chegar à eleição com chance de ganhar.

Continua após a publicidade

Não cabe mais ninguém

SEM-TETO - Imigrantes na calçada em frente a hotel lotado: medida do governo para aliviar o problema
SEM-TETO - Imigrantes na calçada em frente a hotel lotado: medida do governo para aliviar o problema (Luiz C. Ribeiro/NY Daily News/Getty Images)

Na busca incessante de pontos positivos para seu duvidoso currículo, o presidente Joe Biden anunciou no final de setembro uma iniciativa ousada: concedeu o direito de ficar e trabalhar no país, por dezoito meses passíveis de extensão, a 472 000 venezuelanos que entraram sem a devida documentação até o dia 31 de julho. Não por acaso, a medida foi divulgada em Nova York — a cidade, tradicional santuário de refugiados que está sempre na mira de quem busca vida nova, virou ponto final de uma caravana de ônibus bancados pelo governador linha-dura do Texas, Greg Abbott, lotados de pessoas apreendidas ao cruzar ilegalmente a fronteira do estado com o México, a 3 000 quilômetros de distância, alterando o cenário e as finanças de uma das metrópoles mais visitadas do planeta.

De acordo com o serviço social nova-­iorquino, 105 000 imigrantes desembarcaram na cidade desde 2022, a maioria venezuelanos fugindo das agruras da ditadura de Nicolás Maduro. Sem vagas nos abrigos, navios, hotéis e acampamentos montados às pressas, filas de desvalidos ocupam as calçadas em plena Manhattan. Recém-chegados vendem frutas e doces no metrô e em outros pontos, motivo de brigas frequentes com os ambulantes já estabelecidos. Sem acesso a empregos, a leva de refugiados depende de recursos oficiais para hospedagem e alimentação. A conta, se nada fosse feito, chegaria a 12 bilhões de dólares até 2025, suficiente para levar Nova York à falência, bradou o prefeito Eric Adams, um democrata cada vez mais virulento nas críticas à Casa Branca. A anistia, embora bem-vinda, pouco alivia o imenso nó da imigração ilegal.

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.