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De mais rica a mais procurada: filha do ex-ditador de Angola vira foragida

Isabel dos Santos aproveitou influência do pai para ficar bilionária. Exposto o esquema, fugiu e agora está na lista vermelha da Interpol

Por Gustavo Silva 31 dez 2022, 08h00

Durante os 38 anos que governou Angola, depois de libertar o país de três séculos de domínio português e vencer uma das mais sangrentas guerras civis do continente à frente do socialista Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), José Eduardo dos Santos, como todo ditador que se preze, aproveitou para cultivar a própria fortuna e a dos filhos (tem dez). De todos, a mais beneficiada foi a primogênita, Isabel dos Santos. Logo no primeiro emprego, no início dos anos 1990, como engenheira da empresa vencedora da licitação dos serviços de limpeza em Luanda, Isabel começou a tecer uma intrincada rede de firmas em paraísos fiscais alimentada por desvios de dinheiro público e dedicada a investimentos em setores variados, de diamantes a telecomunicações, passando por petrolíferas e bancos — com um pezinho no Brasil.

Louvada pelo espírito empreendedor, em 2013 se tornou “a mulher mais rica da África”, segundo a revista Forbes, com patrimônio de 2 bilhões de dólares. Seis anos mais tarde, a origem da riqueza foi exposta e ela acabou processada. Vivendo no exterior, foragida da Justiça, em dezembro a ex-bilionária angolana passou pela humilhação maior: entrou para a lista vermelha da Interpol, a dos meliantes mais procurados do mundo.

TORCIDA - Com a camisa da seleção: laços afetivos com o Brasil -
TORCIDA - Com a camisa da seleção: laços afetivos com o Brasil – (@isabel_dos_santos.me/Instagram)

O propinoduto de Isabel começou a secar quando seu pai entregou a presidência a um sucessor cuidadosamente cultivado, João Lourenço, que mais do que depressa decidiu encurtar o caminho para se firmar no poder voltando-­se contra o criador. Santos pai tomou o rumo do exílio em Barcelona (onde morreu em julho passado) e a primogênita perdeu a boquinha que ele lhe dera às vésperas da passagem de bastão — a presidência da Sonangol, estatal de petróleo responsável por quase 60% da economia do país, de onde Isabel, empreendedora que é, conseguiu desviar mais de 50 milhões de dólares em um ano e pouco de emprego. Com base no Luanda Leaks, um dossiê com mais de 715 000 documentos revelando as entranhas financeiras da família mais poderosa do país, Lourenço fez a limpa no governo (o irmão de Isabel, José Filomeno, presidente do Fundo Soberano de Angola, foi julgado e condenado a cinco anos de prisão) e deu aval às investigações ainda em curso.

Isabel é acusada de usar 400 empresas, em 41 países, para drenar recursos ao exterior. Teve seus bens congelados em Angola e Portugal, e a Holanda também está na rota do processo. Antes de ser presa, transferiu seu endereço para os Emirados Árabes Unidos e pôs-se a pular de mansão em mansão para escapar dos pedidos de prisão. Fã de futebol, ela postou fotos nas redes com a camisa da seleção brasileira durante a Copa do Mundo do Catar e em uma delas aparece diante do telão de uma fan fest em Londres. Em entrevistas, atribui seus problemas à perseguição política e ataca com vigor Hélder Pitta Grós, o procurador que a acusa dos crimes de peculato, fraude qualificada, associação criminosa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. “Meu paradeiro é conhecido. Eu não sou uma fugitiva. Pitta me vê como uma ameaça política e uma candidata presidencial em potencial”, protestou em postagem no Instagram.

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EM FAMÍLIA - Santos: em quatro décadas, enriquecimento próprio e dos filhos -
EM FAMÍLIA - Santos: em quatro décadas, enriquecimento próprio e dos filhos – (João Cortesão/AFP)

Embora nunca tenha disputado cargo eletivo, Isabel sempre orbitou o mundo da política. A família se aproximou do Brasil no início do governo Lula, quando o Itamaraty tentava criar um eixo de relações diplomáticas ao sul do Equador. O ditador Santos, inclusive, contratou o marqueteiro de Lula, João Santana, para sua última eleição. Preso pela Lava-Jato, o publicitário detalhou em delação premiada que a vitoriosa campanha, no valor de 250 milhões de reais, foi bancada pela Odebrecht, que pretendia expandir os negócios em Angola. Mãe de quatro filhos, Isabel casou-se em 2002, em festa para 10 000 convidados, com Sindika Dokolo, milionário congolês que foi seu sócio em várias empresas até morrer em um acidente de mergulho em Dubai, há dois anos.

Dos tempos em que frequentava o Rio de Janeiro e Brasília, ela deixou uma imagem de simpatia e modéstia. “É bem low profile”, confirma Helcius Pitanguy, filho do cirurgião plástico Ivo Pitanguy, que trouxe a angolana para conhecer o Brasil nos anos 1990. Em 2014, já ambientada, recebeu 600 convidados em um camarote particular para assistir ao jogo de abertura da Copa do Mundo no estádio do Corinthians, em São Paulo. De calça jeans, camiseta e rabo de cavalo, confundia-se com os convidados no convescote regado a bebidas importadas e quitutes refinados. Isolada desde que entrou na mira da Justiça, o mais provável é que, se a situação apertar, busque refúgio na Rússia — sua mãe era russa e ela nasceu no Azerbaijão, parte da antiga União Soviética, e tem dupla cidadania. Pode ser uma saída, mas, convenhamos, não deve ser o destino preferido da morena foragida de Angola.

Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822

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