Mais de um ano depois do início da guerra na Ucrânia, uma fagulha pode virar um novo incêndio na Europa. Minúsculo país criado a partir de uma intervenção militar da Otan na antiga Iugoslávia em 1999, Kosovo, que na época fazia parte da Sérvia — então uma peça do xadrez iugoslavo — é desde então palco de um conflito latente, que às vezes chega às vias de fato, entre a população de etnia albanesa (92%) e a minoria sérvia fincada em enclaves do norte. No fim de maio, a eleição de quatro prefeitos “albaneses” em cidades “sérvias” resultou em revolta da população — que boicotou a votação — e ataques que deixaram oitenta feridos, entre eles trinta integrantes da KFOR, a força da Otan que até hoje policia a região.
Desde então, sucessivos embates entre grupos sérvios e as forças de segurança fizeram soar o alarme no continente diante da possibilidade de o presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, amigo de Vladimir Putin, usar a guerra da Ucrânia como trampolim para tentar reaver Kosovo, cuja independência nunca aceitou. A ameaçadora letra Z, símbolo da invasão russa, começou a aparecer pintada nas barricadas dos manifestantes sérvios e pichada nos veículos da Otan e o governo de Belgrado pôs o Exército em prontidão. Em Moscou, o Ministério das Relações Exteriores pediu o fim da “propaganda enganosa” que culpa “sérvios desesperados” pelos conflitos em Kosovo. Até o tenista sérvio Novak Djokovic, que não perde uma polêmica, entrou na roda: escreveu “Kosovo está no coração da Sérvia” na lente de uma câmera que cobria o torneio de Roland Garros, na França. Más notícias para quem sonha com a volta da paz na Europa.
Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847