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Como o pequenino Catar vem ganhando pontos como potência regional

País assume papel de destaque ao mediar as conversas americanas com o Talibã e receber as levas de pessoas fugindo da troca de poder

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h45 - Publicado em 19 set 2021, 08h00
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  • Quando o avião que partiu de Cabul tocou a pista do aeroporto de Doha, completando o primeiro voo internacional vindo do Afeganistão desde que o Talibã retomou o poder, muita gente respirou aliviada — a começar pelos 200 cidadãos americanos que conseguiram finalmente ir embora, depois das trapalhadas do governo de Joe Biden para encerrar duas décadas de interferência militar no país. Quem mais saiu ganhando com o feito, porém, nem pode cantar vitória: o governo do Catar contentou-se em, discretamente, causar inveja nos vizinhos pelo papel de destaque na troca de poder. Foi no pequeno emirado, uma espécie de península no Golfo Pérsico, que mulás e representantes de Washington se sentaram para discutir a retirada, ainda no governo Donald Trump, e foi para lá que se dirigiram as aeronaves militares lotadas na ponte aérea dos momentos finais. “Nenhum país fez mais do que o Catar”, reconheceu o secretário de Estado Antony Blinken.

    Cerca de 58 000 pessoas foram acolhidas em Doha desde que o governo dos Estados Unidos decidiu sair do Afeganistão. Boa parte se acomodou em uma vila pronta para ser usada na Copa do Mundo do ano que vem. Outra, formada por 40% dos expatriados afegãos fugidos do regime talibã, refugiou-se em Al Udeid, a maior base militar americana no Oriente Médio. A Embaixada dos Estados Unidos em Cabul foi transferida para Doha, gesto repetido por Reino Unido, Alemanha e Holanda. Biden em pessoa telefonou ao emir Tamim bin Hamad al-Thani para manifestar gratidão e sinalizar que o Oriente Médio tem um novo líder regional para intermediar as relações com o Ocidente. “Às vezes, ser pequeno é uma vantagem, porque nos permite desempenhar esse papel sem parecer estar intimidando ninguém”, observou, muito pragmática, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Lolwah Al-Khater. Sim, no muçulmano Catar uma mulher ocupa esse cargo e, hábil diplomata, tornou-se o rosto — sempre emoldurado num elegante hijab — do processo de negociação.

    A OUTRA - Dubai  Doha by night: arranha-céus, universidades e um arrojado Museu de Arte Islâmica -
    A OUTRA – Dubai  Doha by night: arranha-céus, universidades e um arrojado Museu de Arte Islâmica – (Lukas Bischoff/Getty Images)

    Mal saído de um bloqueio econômico imposto pela Arábia Saudita, rival na briga pelo posto de potência regional, sob a acusação de apoiar grupos terroristas como Hamas (recursos cataris sustentam, em boa parte, os palestinos da Faixa de Gaza), a Irmandade Muçulmana e o próprio Talibã, foi justamente o fato de permitir que esses movimentos tenham representação em Doha que colocou o emirado no papel atual de moderador. “O Catar construiu cuidadosamente relações tanto com grupos islâmicos regionais quanto com os Estados Unidos e outros países do Ocidente”, explica Dina Esfandiary, assessora para Oriente Médio e Norte da África na consultoria International Crisis Group. Os esforços do pequeno país para crescer e aparecer não se limitam à geopolítica. Escorado na exploração de um dos maiores campos de gás natural do mundo, o Catar investe pesado na imagem de país moderno e centro cultural — no que muito ajuda a figura elegante da xeica Mozah, a influente mãe de Al-Thani.

    arte Mapa

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    Um fundo soberano de 300 bilhões de dólares é o principal motor de investimentos internos e externos capazes de inserir o país de apenas 300 000 cidadãos no cenário global. O poderoso cofre financiou a construção do impressionante skyline de Doha, sempre competindo com Dubai, a implantação da rede de TV Al Jazeera, que se diz dedicada a divulgar os fatos sob a óptica do mundo árabe, e a inauguração do Museu de Arte Islâmica, concebido pelo celebrado arquiteto chinês I.M. Pei, o mesmo que projetou a pirâmide do Louvre, em Paris.

    Futebol é uma paixão à parte, habilmente explorada pelo governo. O emir é dono do Paris Saint-Germain, clube de Neymar, que acaba de contratar Lionel Messi a peso de ouro. A Copa de 2022 deve custar cerca de 60 bilhões de dólares, com estádios refrigerados para aplacar o calor do deserto. As realizações em série ajudam a empurrar para debaixo do tapete as constantes denúncias de maus-tratos à mão de obra estrangeira, um contingente de 2 milhões de pessoas empregadas na construção civil e nas casas de família. “Quando pessoas jovens e saudáveis morrem subitamente após longas horas de labuta no calor extremo, isso levanta sérias dúvidas sobre as condições de trabalho”, ressalta Steve Cockburn, da Anistia Internacional. Ser moderno, nas monarquias de mão pesada da Península Arábica, tem lá suas limitações.

    Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756

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