Em frente à Torre Eiffel, veem-se montes de restos de comida empilhados há mais de uma semana. Já pequenas ruas de paralelepípedos em Paris, capital da França, foram tomadas com latas de lixo transbordando. E a margem do rio Sena passou a ser contornada por pequenas montanhas de sacos lixo.
Desde a semana passada, lixeiros em Paris e outras cidades da França entraram em greve, como forma de protesto contra o plano do presidente francês, Emmanuel Macron, de aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos – de forma a desonerar o governo, que paga as pensões.
As pilhas insalubres de lixo , algumas mais altas do que os pedestres, são símbolo forte – e malcheiroso – da indignação popular com o plano do governo. Também serve como um lembrete físico das dificuldades de profissões mais difíceis na velhice, segundo os trabalhadores em greve.
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Após dois meses de debates políticos, grandes protestos em todo o país e greves em múltiplos setores, a decisão final sobre a reforma previdenciária da França provavelmente será tomada nesta semana. Nesta quarta-feira, 15, um comitê de parlamentares se reunirá para elaborar uma última versão da lei proposta. Se for bem-sucedida, o projeto voltará ao Senado e à Assembleia Nacional para aprovação final na quinta-feira, 16.
A grande questão é se o presidente Macron conseguiu reunir apoio suficiente de fora de seu partido centrista para garantir a votação na Assembleia Nacional, onde não detém mais uma maioria forte. Caso contrário, a primeira-ministra, Élisabeth Borne, poderia usar seu poder constitucional para aprovar o projeto de lei sem votação, correndo o risco de expor o governo a uma moção de desconfiança.
Os franceses desfrutam de um dos sistemas de aposentadoria mais generosos da Europa. Criado após a Segunda Guerra Mundial como parte do elogiado sistema de proteção social do país, o complexo programa de pensões oferece o que muitos consideram uma terceira fase dourada – e longa – da vida, para explorar paixões, desfrutar de netos e se engajar em trabalhos voluntários, aproveitando um padrão de vida até melhor do que a população em geral. Como muitos trabalhadores argumentam, incluindo os coletores de lixo, também é um momento para se recuperar de uma vida de trabalho árduo.
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O governo de Macron diz que a idade de aposentadoria deve ser aumentada para manter o sistema sustentável. Os trabalhadores atuais e seus empregadores pagam pelas pensões dos aposentados, mas com a expectativa cada vez mais alta e o número crescente de aposentados, o sistema enfrenta déficits a longo prazo.
O órgão oficial encarregado de monitorar o sistema previdenciário da França reconheceu, contudo, que não há ameaça imediata de falência. Sindicatos e oponentes de esquerda acusaram Macron de ignorar outras formas de aumentar o financiamento da previdência social, incluindo impostos sobre grandes fortunas.
Desde o início, as pesquisas de opinião mostraram que uma grande e relativamente inabalável maioria dos franceses se opõe à mudança. Milhões foram às ruas para sete grandes marchas nacionais, com outra planejada para esta quarta-feira.
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Embora os oito principais sindicatos do país tenham se juntado, em uma demonstração relativamente rara de unidade, para se opor à mudança, até agora conseguiram pouco. Macron se recusou a se encontrar com eles na semana passada, argumentando que não queria contornar os debates parlamentares.
A greve dos lixeiros parece ser a última e furiosa resistência antes da votação. Os trabalhadores do setor suspenderam as operações há mais de uma semana em cidades de todo o país, incluindo Le Havre, Nantes, Antibes e Rennes. Em Paris, cerca de metade da cidade foi afetada, desde o elegante 16º arrondissement até o centro intelectual histórico da cidade no Quartier Latin.
Na segunda-feira 13, cerca de 5.600 toneladas métricas de lixo permaneciam sem coleta nas ruas, de acordo com a prefeitura de Paris. Os trabalhadores dos três incineradores que queimam o lixo da cidade também estão em greve.
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Se o projeto se tornar lei, não está claro se os grandes protestos continuarão e quais consequências de longo prazo isso teria, se houver, para Macron e seu governo.
Analistas políticos preveem que as manifestações se dissiparão. No entanto, eleitores podem punir o partido de Macron, já de olho nas eleições do próximo ano para o Parlamento Europeu.
Por enquanto, os lixeiros em Paris votaram na terça-feira 14 para continuar em greve por mais uma semana, independentemente da votação. Muitos deles, como pessoas em toda a França, veem a mudança planejada como uma ameaça ao seu modo de vida e valores.