Após longas horas de negociações tensas, Reino Unido e a União Europeia alcançaram nesta quinta-feira, 24, um acordo comercial pós-Brexit no limite, a apenas uma semana da separação definitiva, o que permitirá evitar uma ruptura brusca de consequências caóticas.
O Reino Unido continuará sendo “amigo, aliado e o primeiro mercado” da União Europeia apesar do Brexit, disse o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, antes de afirmar que o acordo comercial é “bom para toda a Europa” .
“Digo isso diretamente aos nossos amigos e parceiros na UE: acredito que este acordo significa uma nova estabilidade e certeza no que tem sido uma relação às vezes amarga e difícil. Seremos seus amigos, seus aliados, seu apoio e, não esquecemos , seu primeiro mercado porque, embora tenhamos abandonado a UE, este país permanece cultural, emocional, histórico, estratégico e geopoliticamente unido à Europa”, disse Johnson em uma entrevista coletiva.
Para a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, muito envolvida nas negociações, que corriam o risco de fracasso até o fim, o pacto comercial pós-Brexit é um “bom acordo, equilibrado, justo”.
O Reino Unido continuará sendo “um sócio digno de confiança”, disse em Bruxelas. O tratado de livre comércio “nos permitirá deixar para trás o Brexit definitivamente”, completou.
Um futuro fantástico, como prevê Boris Johnson, ou um salto arriscado ao desconhecido, como temem os críticos ao Brexit? Depois de quase 50 anos na União Europeia, o Reino Unido abre um novo capítulo solitário em 1º de janeiro de 2021. Mas o que mudará?
O Reino Unido deixou oficialmente a UE em 31 de janeiro de 2020, mas continuou aplicando suas normas durante um período de transição que termina em 31 de dezembro. A partir de 2021, o país voltará a andar sozinho.
Com a confirmação nesta quinta-feira de que Londres e Bruxelas conseguiram chegar a um acordo comercial ao final de longas e difíceis negociações no último minuto, a perspectiva de tarifas e cotas para mercadorias que cruzam o Canal da Mancha será eliminada.
Porém, mesmo com um acordo, o futuro está longe de ser perfeito. Os exportadores britânicos terão de apresentar novos documentos alfandegários para provar que seus produtos são aptos para o mercado único europeu.
Londres convidou as empresas a se prepararem, mas as indústrias dizem que o governo falhou em fornecer a tempo sistemas de TI e pessoal de apoio, aumentando o risco de caos.
O que é “Global Britain”?
Defendendo a ideia de um “Reino Unido global”, Londres busca revitalizar suas relações bilaterais com o resto do mundo, especialmente com seu “aliado mais próximo e importante”, os Estados Unidos, nas palavras de Johnson.
Mas ele perdeu um trunfo com a derrota de Donald Trump, um entusiasta do Brexit. E a pandemia do novo coronavírus atingiu fortemente a economia britânica, ameaçando o futuro prometido pelo primeiro-ministro conservador.
A ideia é que o Reino Unido não se feche sobre si mesmo, mas esteja aberto ao exterior para firmar acordos de livre comércio em todo o mundo.
“Agora que O Reino Unido global voltou, é hora dos fabricantes, homens e mulheres de ação e os inovadores nos ajudarem a escrever nosso capítulo mais emocionante até hoje”, declarou a ministra do Comércio Internacional, Liz Truss, em outubro, prometendo futuras exportações de todos os tipos de produtos britânicos, de cremes a robôs.
O Reino Unido já assinou acordos comerciais pós-Brexit com Japão, Canadá, Suíça, Singapura e vários países latino-americanos liderados pelo México e Chile.
E está negociando com Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, entre outros.
Os acordos em preparação ou concluídos, incluindo o firmado com a UE, representam 80% do comércio exterior britânico até 2022, segundo o governo, que remodelou o ministério das Relações Exteriores para integrar sua generosa ajuda ao desenvolvimento na agenda diplomática britânica.
O que acontecerá com o Reino Unido?
O governo insiste que seus objetivos de longo prazo permanecem e que o dinheiro que Londres contribuiu até agora para o orçamento europeu será melhor gasto em solo britânico.
O governo garante que a conclusão de acordos comerciais não prejudicará questões fundamentais como saúde pública ou as normas agroalimentares, especialmente em suas negociações com os Estados Unidos.
Fim de anos de incerteza
O acordo histórico foi anunciado quatro anos e meio depois do referendo de 2016 em que os britânicos decidiram por 52% dos votos acabar com quase cinco décadas de uma tensa relação com a União Europeia e virar o primeiro país a abandonar o bloco.
Aquela votação dividiu a população e seus políticos. O tema provocou a renúncia do então primeiro-ministro, o conservador David Cameron, e depois de sua sucessora, Theresa May. Ambos elogiaram nesta quinta-feira o fim de anos de incerteza.
O Reino Unido abandonou oficialmente a UE em 31 de janeiro de 2020, graças à maioria parlamentar obtida por Johnson nas legislativas antecipadas de dezembro de 2019. O país entrou então em um período de transição que termina em 31 de dezembro às 23H00 GMT, momento em que sairá de modo definitivo do mercado único e da união alfandegária.
Sem um acordo, as relações entre as partes seriam administradas pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que implicaria tarifas e cotas, além da multiplicação de formalidades burocráticas que ameaçavam provocar o colapso nos portos britânicos, desabastecimento de preços e aumento de preços.
Em um caso de ruptura brutal, o Reino Unido teria perdido muito mais que a Europa: os britânicos exportam 47% de seus produtos para o continente, enquanto a UE exporta apenas 8% de suas mercadorias para ou outro lado do Canal da Mancha.
Os meios empresariais britânicos reagiram com alívio ao fim da ameaça de uma ruptura brutal, mas a libra esterlina sofreu desvalorização dos ganhos registrados nos últimos dias após o anúncio do acordo.
A saída enfraquece ainda mais, no entanto, a unidade do Reino Unido, dando argumentos aos independentistas da Escócia, uma nação de 5,5 milhões de habitantes que votou em sua maioria contra o Brexit.
“Chegou o momento de traçar o nosso próprio futuro como nação europeia independente”, tuitou a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, recordando que “o Brexit acontece contra a vontade do povo da Escócia”, que votou em 62% pela permanência na UE.
A pesca até o fim
Após uma longa noite de negociações em Bruxelas surgiram problemas de última hora com as cotas de pesca, que deixaram todos em suspense e chegaram a provocar o temor de fracasso.
O acesso dos pescadores europeus às ricas águas britânicas foi a última barreira das conversações, que já haviam alcançado um entendimento nas demais questões delicadas, como as formas de evitar a concorrência desleal.
A questão da pesca não tem um grande peso econômico, e sim uma importância política e social para vários Estados membros, como França, Holanda, Dinamarca ou Irlanda. Mas o Reino Unido insistia em transformar o tema em uma prova da soberania recuperada.
O anúncio na véspera de Natal, em tese, dará tempo suficiente para que o acordo seja aprovado pelos 27 países membros da UE e possa entrar em vigor no dia 1º de janeiro.
O texto complexo, de quase 2.000 páginas segundo a imprensa britânica, ainda terá que ser ratificado pelo Parlamento Europeu e pelos deputados britânicos de Westminster.
Os parlamentares britânicos se reunirão em 30 de dezembro. Graças à maioria parlamentar do Partido Conservador de Johnson, o texto tem a aprovação garantida no Reino Unido. O Partido Trabalhista, principal força da oposição, anunciou que votará a favor do acordo porque a alternativa seria uma “ruptura sem acordo”.
A data de reunião do Parlamento Europeu não foi definida, mas o acordo pode entrar em vigor provisoriamente, sem a ratificação e à espera do retorno das sessões em janeiro.
O presidente do Europarlamento, David Sassoli, elogiou o acordo, mas advertiu que os deputados examinarão o texto “antes de decidir sobre a aprovação ou não no próximo ano”.
Alcançar um acordo destas características em apenas 10 meses constitui uma proeza para Londres e Bruxelas, pois negociações deste tipo geralmente duram anos.
Com este novo tratado comercial, a UE oferece ao ex-sócio um acesso inédito, sem tarifas ou cotas, para seu imenso mercado de 450 milhões de consumidores.
A abertura será acompanhada de condições estritas: as empresas do Reino Unido devem respeitar um número de normas que evoluirão com o passar do tempo nas áreas do meio ambiente, direitos trabalhistas e fiscais, para evitar a concorrência desleal.