Em um país onde os apartamentos foram se apequenando para dar conta de alojar uma crescente população, ainda que em exíguos metros quadrados, chama a atenção no Japão um cenário que, em outros tempos, soaria distópico: há por todo o arquipélago casas inteiramente vazias — as chamadas akiyas —, um conjunto de imóveis que já cruzou a fronteira dos 8 milhões e que, em uma década, deve responder por 30% das moradias japonesas. Eis um retrato da aguda crise demográfica por que passa a terceira nação mais rica do planeta, atrás dos Estados Unidos e da China. Em geral, os espaços estão ociosos porque seus proprietários morreram e não há gente em número suficiente para ocupá-los, reflexo de uma população que envelhece em ritmo mais acelerado do que em qualquer outra parte do globo e crava uma das mais reduzidas taxas mundiais de natalidade — 1,3 filho por casal, quando o índice para manter o contingente estável é 2,1. “A maioria dos países desenvolvidos está envelhecendo, mas nenhum tão rapidamente quanto o Japão, o que exige estratégias para frear os danos à economia”, alerta a demógrafa Miho Fujinami, da Universidade Chiba Keizai.
E é aí que as akiyas entram em cena. O governo mapeou todo o território onde elas estão localizadas e agora incentiva as corretoras a vendê-las a cifras baixas, impensáveis para os antigos padrões japoneses — no interior, uma casinha pode sair por 25 000 dólares, enquanto nos subúrbios de Tóquio partem de 50 000, 60 000 dólares. A ideia é povoá-las de estrangeiros, iniciativa que marca uma profunda transformação em um país que, como outros asiáticos, manteve as portas fechadas o máximo que pode. Essa arraigada mentalidade, fruto de um lugar que é afastado geograficamente e tradicionalmente voltado para sua própria cultura, vem mudando por força das circunstâncias. “Eles estão começando a entender quão vital é contar com estrangeiros nos tempos atuais”, diz o professor de estudos asiáticos Jeff Kingston, da Universidade Temple.
Na lista de duas dezenas de países que verão sua população despencar à metade até 2100, o Japão, que registrou declínio de habitantes pelo 12º ano consecutivo, já enfrenta hoje as dores do escasseamento de braços. Nos anos 1990, com uma economia calcada na importação de matérias-primas e na exportação de produtos de alta tecnologia a bons preços, os japoneses foram alçados ao segundo lugar no ranking dos mais ricos, mas perderam o posto para os chineses e, ainda hoje baqueados pela pandemia e enredados no gargalo demográfico, podem cair para a oitava posição até 2050, de acordo com um recente relatório da consultoria PWC. Atualmente, de cada dez habitantes, apenas três seguem no mercado, enquanto os outros sete são crianças ou aposentados — um desequilíbrio que não se resolve apenas tentando elevar a produtividade e estendendo a permanência das pessoas em seus empregos.
Foi o próprio governo que emitiu o sinal amarelo no início do ano. “Estamos à beira de não conseguir manter as funções sociais”, falou aos congressistas o primeiro-ministro, Fumio Kishida. Em 2019, uma nova lei mirava atrair centenas de milhares de estrangeiros, majoritariamente qualificados, para desemperrar a economia, mas aí veio a pandemia, e as fronteiras ficaram trancadas. O programa foi retomado e é imprescindível. Segundo a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), mais de 6 milhões de estrangeiros serão necessários para preencher o cada vez maior vazio populacional. “Do contrário, seremos uma vila deserta rumo à queda”, enfatiza o economista Shinichi Kitaoka, presidente da agência. Quem aí está disposto a comprar uma akiya?
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841