Com derrota à vista, Rishi Sunak tenta evitar vexame eleitoral ainda maior
Premiê britânico espera que queda da inflação e medidas anti-imigrantes amenizem o baque da vitória quase certa dos trabalhistas no pleito de 4 de julho
Sitiado no célebre número 10 da Downing Street, a rua de Londres onde ficam a casa e o gabinete do primeiro-ministro, o britânico Rishi Sunak, 44 anos, olha para o futuro com desalento: ao que tudo indica, os resultados da eleição que ele mesmo antecipou para o dia 4 de julho serão devastadores para seu partido, o Conservador, há catorze anos no poder. Tirando alguma dramática reviravolta ou um erro grosseiro de todas as pesquisas eleitorais, a votação deve consagrar seu maior rival, o ex-procurador e advogado especializado em direitos humanos Keir Starmer, 61, líder do Partido Trabalhista, como próximo dirigente do país. Como desgraça pouca é bobagem, levantamento divulgado nos últimos dias pelo instituto YouGov colocou não só os trabalhistas com 37% dos votos, abrindo vantagem de quase 20 pontos percentuais sobre os conservadores — diferença extraordinária para os padrões britânicos —, como alçou o nanico Reform UK ao segundo lugar, com 19%, puxado pelo inesperado anúncio da candidatura de Nigel Farage, ultranacionalista que liderou a campanha do Brexit. Aos tories, como são chamados os conservadores, restou a humilhante terceira colocação, com 18%.
Por que, em cenário tão desfavorável, Sunak resolveu antecipar as eleições programadas inicialmente para o fim do ano? Segundo especialistas, por desespero — se arrastasse a agonia, seu partido iria sangrar mais ainda. O primeiro-ministro aproveitou a volta da inflação ao aceitável patamar de 2% em maio (eram 11% em 2022, quando ele assumiu, a maior em quarenta anos) e a dificultosa aprovação de seu projeto anti-imigração, calcado na deportação de indesejáveis para Ruanda, para convocar uma eleição em que a derrota é certa, na esperança de se sair um pouco melhor do que indicam as pesquisas e evitar um vexame total. Uma aposta de alto risco, que espelha o fracionamento do partido devido a brigas internas e o descontentamento geral com sua atuação. “Cansados da turbulência nos últimos anos, os britânicos estão ansiosos por mudanças”, diz Edmund Neil, professor de história moderna da Universidade Northeastern, de Londres. Muito ansiosos, sem dúvida as pesquisas mostram que, para 73% dos britânicos, “é hora de mudar”.
Socialista militante convertido em parlamentar pragmático, famoso por mudar de opinião conforme os interesses do momento (apelido: Camaleão), sir Keir Starmer assumiu o comando dos trabalhistas em 2019 por ser o exato oposto do então líder Jeremy Corbyn, um ultraesquerdista frequentemente acusado de antissemitismo, que levou o partido a sua pior derrota eleitoral em oitenta anos. Uma vez na liderança, Starmer tratou de expurgar as alas à esquerda, direcionou a sigla para o centro e abraçou bandeiras do outro lado particularmente caras ao eleitorado, como a repressão à imigração ilegal. “Tenho muito orgulho de ter transformado o partido para colocá-lo novamente a serviço dos trabalhadores”, diz. O mote da campanha trabalhista, no entanto, consiste em desancar os conservadores — o que não é difícil.
No Serviço Nacional de Saúde, que já foi um orgulho britânico e passou por seguidos cortes de verba nos governos conservadores, 40% dos pacientes aguardam mais de quatro horas por atendimento nos prontos-socorros e a internação em hospitais pode levar até doze horas. O Brexit, do qual a maioria dos apoiadores de 2016 hoje se arrepende, não trouxe o impulso esperado — pelo contrário, a economia estagnada reduz a produtividade a seu nível mais baixo desde a Revolução Industrial, a renda média dos britânicos é hoje 43% menor do que a dos americanos, a crise imobiliária faz com que o número de sem-teto no país seja o mais alto do mundo desenvolvido e o crescimento médio do PIB, do divórcio da União Europeia até 2025, deve ser de parco 0,8%. Responsáveis maiores pelo declínio, os conservadores se dividiram e uma ala mais à direita vive em pé de guerra com os colegas mais tradicionais. As brigas internas paralisaram e derrubaram governos — foram quatro em oito anos.
Estimativas apontam que até 64% dos 14 milhões de britânicos que optaram pelo Partido Conservador em 2019, quando o carismático Boris Johnson impôs uma fragorosa derrota aos adversários, agora podem votar nos trabalhistas. Nesse cenário, parece que o Reino Unido caminha na contramão da virada para a ultradireita do resto da Europa. O previsto avanço do Reform UK, porém, aponta que não é bem assim — o eleitorado britânico simplesmente não suporta mais os conservadores. Vem daí, provavelmente, a dianteira acachapante nas pesquisas dos trabalhistas de Starmer, cujo programa de governo desperta tão pouca empolgação quanto a sua pessoa. Os trabalhistas falam em trazer de volta o crescimento através de uma nova política industrial, marcada por subsídios e proteção contra a concorrência externa, mas não pretendem se desviar da austeridade em vigor e avisam que vão aumentar impostos — só garantem mesmo a manutenção do imposto de renda como está. “Starmer fez propostas realistas, semelhantes às dos conservadores”, diz Steven Fielding, professor de história política da Universidade de Nottingham. A se julgar pelas pesquisas, a essa altura, desde que o novo primeiro-ministro consiga domar o Parlamento e pôr o governo em movimento, é o que basta para os britânicos.
Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898