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Brasil inverte sinal ideológico na relação com organismos internacionais

Em apenas três meses, Itamaraty assumiu no exterior posições contrárias às dos governos anteriores, consideradas esquerdistas

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 1 abr 2019, 10h56 - Publicado em 29 mar 2019, 07h00
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  • A guinada ideológica do Brasil para a direita já se faz perceber nas suas relações com os organismos internacionais nestes primeiros três meses de gestão do presidente Jair Bolsonaro. Em boa medida, as posições assumidas trazem o sinal inverso das adotadas pelos governos petistas e, longe de refletirem a visão do Estado, repercutem o ideário cultivado pelo chanceler Ernesto Araújo.

    “Os valores adotados por este governo nas relações internacionais têm sido os da extrema direita. Não se pode dizer que sejam conservadores. Nenhum conservador britânico, belga ou francês os adota. São extremistas mesmo”, afirmou a VEJA o embaixador Rubens Ricupero, diretor do Departamento Econômico da Faap e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).

    O reposicionamento ideológico do Brasil na cena internacional é mais percebido na Organização das Nações Unidas (ONU). A busca pelo assento permanente no Conselho de Segurança, projeto caro para o governo de Lula, foi engavetada, e o sinal nas votações do Conselho de Direitos Humanos foi invertido. No último dia 22, o Brasil rompeu com sua tradição ao votar contra a resolução que condenava Israel pela repressão aos palestinos na Faixa de Gaza no ano passado.

    Na Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência da ONU que atua na defesa dos direitos trabalhistas e na promoção da Justiça Social, o Brasil foi o único país a votar, no último dia 22, contra a convenção que obriga os países a consultarem os povos indígenas e tribais antes de fazerem obras em suas terras. Nem o Chile nem o México ousaram seguir a visão brasileira. Para o governo Bolsonaro, a OIT tende a ser hostil às novas posições de Brasília e, com a convenção, o país ficaria submetido a obrigações indevidas.

    O governo de Bolsonaro também se opôs à inclusão de menções em favor da universalização de serviços de saúde reprodutiva e sexual, em debate na Comissão das Nações Unidas sobre os Direitos da Mulher, no último dia 20. Na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, na quarta-feira 27, o chanceler Araújo insistiu que, “por contrabando”, a medida promoveria o aborto e encerrou seu debate sobre o tema com a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que insistia não ter a ONU diretriz em favor do aborto.

    A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) surgiu como possibilidade de futura adesão, mesmo para este país do hemisfério sul do planeta e sem desafios de defesa à vista, pela boca do presidente americano, Donald Trump. No mesmo dia 19, nos jardins da Casa Branca, Trump anunciou que o Brasil será um dos “maiores aliados de seu país fora e, quem sabe, dentro da Otan”.

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    A primeira parte do anúncio foi visto com bons olhos. Permitirá maior cooperação entre os dois países no setor de Defesa e, quem sabe acesso do Brasil a uma parcela da tecnologia militar desenvolvida pelos Estados Unidos. Mas entrar na Otan, como membro, significa aderir aos compromissos com operações militares e civis centradas no Hemisfério Norte e com o desembolso anual para um fundo de 1,8 bilhão de dólares.

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    (VEJA/Getty Images)

    No campo regional, a União das Nações Sul-americanas (Unasul), criada em 2008 por iniciativa dos governos de Lula, do venezuelano Hugo Chávez e do argentino Nestor Kirchner, foi repudiada por seu cunho esquerdista na gestão Bolsonaro. O fórum está em ostracismo há dois anos e tem uma sede, no Equador, abandonada. Com o agravamento da crise política da Venezuela, sua missão de coordenar a integração física dos seus 12 membros e dar uma única voz para a região foi suspensa.

    No seu lugar, o Brasil engajou-se na proposta da Colômbia e do Chile de criação do Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul), uma espécie de Unasul de seis governos de direita. Maior projeto de integração econômico-comercial da América Latina, o Mercosul continua a funcionar graças a suas regras aplicadas ao longo de 24 anos. Mas sua agenda foi ignorada, até o momento, pelo governo brasileiro. Nem mesmo a importância retórica dada pelas gestões anteriores foi mantida.

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    Como dado expressivo da falta de atenção com o Mercosul, o Palácio do Planalto não incluiu a Argentina entre as três primeiras visitas internacionais do presidente Bolsonaro. Seus antecessores não titubearam ao escolher Buenos Aires como a primeira parada.

    Até o momento, o governo não deu sinais de que manterá o Fórum de Diálogo Índia, Brasil, África do Sul (Ibas), criado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva para estreitar a cooperação entre as três maiores democracias multiétnicas em vários temas. Mas aceitou acolher a reunião de cúpula do Brics (Brasil, Índia, China e África do Sul), também criado na gestão de Lula, em novembro deste ano. Esse fórum de economias emergentes criou o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que financia cinco projetos de infraestrutura no Brasil e tem 14 bilhões de dólares à disposição para tornar possível outras obras e ajudar seus parceiros em caso de crise financeira. Trata-se de uma razão para se evitar atitudes abruptas.

    Menos sorte teve a 25ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-25), que perdeu o Brasil como sede, em outubro de 2019, por decisão de Bolsonaro ainda como presidente eleito. O país destacou-se como um dos principais negociadores desse fórum e fora o redator do texto final do Acordo de Paris, de 2015, que estabeleceu os compromissos dos seus signatários de redução das emissões de gases do efeito estufa. Na época, o Itamaraty alegou restrições orçamentárias para promover o evento no Brasil. Mas a intenção clara do então presidente eleito era a retirada do país desse mecanismo – ideia até o momento afastada pelo próprio ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles.

     

    Clube dos ricos

    Em menos de 90 dias, o governo definiu como prioritário o acesso do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao preço de renunciar ao tratamento especial e diferenciado, como país em desenvolvimento que é, na Organização Mundial do Comércio (OMC) e em outros organismos.

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    O acesso à OCDE ficou engavetado durante os governos do PT, mas foi resgatado em 2017 pela gestão de Michel Temer. O Planalto enviara a Paris o pedido formal de adesão e adiantara-se ao criar um cargo diplomático especialmente para representá-lo no organismo. A posição foi preservada até o momento, em sinal de novo impulso ao objetivo, caro também ao ministro da Economia, Paulo Guedes.

    O embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente
    O embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente: ‘basta andar pelas ruas para ver que este é um país de terceiro mundo’. (FAAP/Divulgação)

    O obstáculo ao acesso está nos Estados Unidos que, em dezembro propôs o ingresso da Argentina, seguida da Romênia, sem mencionar o Brasil. Durante a visita de Bolsonaro a Washington, no último dia 19, Trump anunciou seu apoio ao Brasil. Mas impôs como condição o abandono, pelo país, de sua prerrogativa de receber tratamento especial e diferenciado na OMC e em outros organismos e entidades internacionais. Na lógica americana, se o Brasil quer participar de um grupo de economias desenvolvidas não pode continuar a usufruir de benefícios para as menos encorpadas.

    Para Ricupero, essa adesão não provoca nenhum milagre, mas poderia ser indolor sem essa condição. O Brasil perderá o acesso de seus produtos a vários mercados com tarifas reduzidas, terá de rever políticas internas de proteção a seus setores produtivos e o direito de suas entidades conseguirem fundos internacionais para a execução de projetos.

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    “Esse ingresso está sendo vendido a um preço mais alto do que vale”, avalia o embaixador. “Este governo não tem demonstrado sentido pragmático. Basta andar pelas ruas para ver que este é um país de terceiro mundo.”

    A OCDE pode ser vista como um clube de 36 países supostamente ricos, sediado em Paris, que funciona como plataforma instigadora da adoção de políticas públicas liberais e fomentadora de debates sobre problemas econômicos similares. Entrar nesse time, grosso modo, significa colocar-se como economia desenvolvida. Mas a Grécia, que submergiu em uma crise sem precedentes no início da década, é um dos seus membros. A Turquia, vista como possível nascedouro de uma nova crise mundial, é outro.

    Na avaliação deste e do governo anterior, o ingresso do Brasil a esse clube trará os benefícios de comprometer o Estado brasileiro com uma agenda liberal e com a transparência e o rigor no gerenciamento das contas públicas. Acima de tudo, seria uma espécie de selo de qualidade para o ingresso de investimentos financeiros e produtivos. No caso da adesão ser aprovada, o Brasil estaria adiantado.

    Durante o governo de Temer, um estudo consolidado pela Casa Civil indicou haver 90% de convergência entre as políticas e legislações brasileiras e as recomendações da OCDE. O Brasil já aderiu a 73 institutos da organização, como a Convenção Antissuborno. As dificuldades, segundo um especialista do governo, estaria em tópicos como a liberalização do fluxo de capitais e de prestação de serviços e a metodologia dos preços de transferência, entre outros.

    Mas nada indica que, na reunião do Conselho Ministerial da OCDE, em 22 e 23 de maio, os Estados Unidos vão apontar o Brasil como primeiro de sua lista de favoritos, como Trump prometeu. Mesmo que apresente, nada garante que os demais países vão aceitar. Alguns membros podem até mesmo recusar o Brasil por causa da orientação ideológica do novo governo e de declarações polêmicas do próprio presidente Bolsonaro, adverte Ricupero. Se for aprovado o acesso, o processo de adesão levará de três a cinco anos.

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