Brasil barrou iniciativa sobre meio ambiente em conferência internacional
Com pressão das delegações brasileira e americana, encontro no Quênia terminou apenas com declaração rasa sobre direito ambiental
O governo brasileiro barrou a iniciativa multilateral de construção de um arcabouço legal para a área ambiental a partir da Assembleia-Geral das Nações Unidas de 2020. A oposição do Brasil foi registrada durante uma reunião em maio em Nairóbi, no Quênia, sobre a adoção do Pacto Global para o Meio Ambiente, projeto impulsionado pela França na ONU.
Originalmente, nas discussões entre 22 e 23 de maio, o rascunho da declaração final previa a instituição do Pacto em uma conferência de alto nível das Nações Unidas, com a definição de um comitê preparatório, a elaboração de um cronograma para as negociações e a imposição de um prazo final para se firmar o acordo sobre meio ambiente.
O Brasil, os Estados Unidos e outras nações, porém, pressionaram para desidratar esse documento final. Os compromissos com o comitê, o cronograma e o prazo final foram extraídos do texto. Em seu lugar foram incluídas recomendações em uma declaração internacional sobre o aniversário da Conferência de Estocolmo, a primeira a tratar do tema, em 1972.
O projeto do Pacto Global acabou suspenso até que haja consenso para a retomada dos seus objetivos originais. A iniciativa fora criada oficialmente em maio de 2018, durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, como meio de ampliar e aprofundar as leis ambientais em todo o globo. Na ocasião, foi criado um grupo de trabalho para apresentar as recomendações à ONU sobre como aplicar o acordo.
Houve três reuniões na sede do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), no Quênia, antes da entrega da declaração desidratada, na penúltima semana de maio. Durante o último encontro, em Nairóbi, os representantes brasileiro e americano pressionaram os demais países para mudar o texto e retirar dele as passagens que tratavam da adoção de um pacto vinculante sobre meio ambiente pela Assembleia-Geral na primeira metade de 2020.
Para Michel Prieur, professor da Universidade de Limoges e especialista em direito ambiental da Europa, a decisão de abandonar o projeto e fazer apenas uma recomendação para a realização de um evento comemorativo significa que os países estão fazendo “mais do mesmo”.
“Nós estamos repetindo em 2022 o que já falamos desde 1972”, afirmou em uma aula magna realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Nós retrocedemos”, completou o advogado, que participou das negociações para a adoção do Pacto Global para o Meio Ambiente.
Para ser aprovado em Nairobi, o texto da declaração teria de ser aprovado unanimemente pelos países presentes. Diante da falta de consenso, a alternativa foi a recomendação para que se prepare uma declaração política para ser apresentada na sessão da Assembleia Ambiental das Nações Unidas (UNEA), em fevereiro de 2021.
O documento servirá como base para a realização de uma reunião internacional, em 2022, para marcar o aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972.
Na declaração final, os países fizeram recomendações à UNEA “para sua avaliação e para preparar, em sua quinta sessão em fevereiro de 2021, uma declaração política para uma reunião de alto nível da ONU sujeita a financiamento voluntário” para comemorar o aniversário de 50 anos do encontro na Suécia.
Ainda segundo o texto final, o objetivo do evento será “fortalecer a implementação de normas de direito internacional e governança ambiental internacional”.
Retrocesso
O Pacto Global para o Meio Ambiente é uma iniciativa proposta pelo governo do presidente francês, Emmanuel Macron, para consolidar e fortalecer a legislação ambiental e o direito internacional, por meio de um acordo vinculante. A criação do grupo de trabalho para o desenvolvimento do acordo foi aprovada por uma resolução da Assembleia-Geral em 2018, com a aprovação de 90 países, entre eles o Brasil.
O projeto visa ainda melhorar a implementação da lei ambiental em prol de metas e acordos assinados pelos países e pelas Nações Unidas anteriormente. Também quer sintetizar todos os objetivos manifestados em declarações e eventos anteriores, como a Conferência de Estocolmo, a Eco-92 e a Carta Mundial pela Natureza.
Em nota, o Ministério de Relações Exteriores afirmou que o Brasil defendeu, durante as negociações em Nairóbi, que “as lacunas na arquitetura de acordos internacionais na área ambiental estão vinculadas à tímida disponibilidade de meios de implementação concretos”, e não às normas jurídicas já existentes. Ou seja, justificou não haver recursos no Brasil para tal iniciativa.
O Itamaraty disse ainda que a delegação brasileira, assim como a de outros países presentes, destacou que a Comissão de Direito Internacional da ONU já está examinando o tema dos “princípios gerais de direito”. Dessa forma, a criação de processos adicionais sobre este tema, com a aprovação de um novo pacto, “representaria duplicação de esforços, gastos desnecessários de recursos e, potencialmente, geraria incoerência nos métodos de trabalho da ONU”.
Política ambiental
A política adotada pelo Brasil em Nairóbi condiz com o discurso adotado pelo governo de Jair Bolsonaro. Entre outras ações, o país desistiu de sediar a Conferência do Clima (COP-25) neste ano, alegando falta de recursos. O evento será no Chile.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também anunciou a revisão de todas as Unidades de Conservação do país, que poderão ser reduzidas ou até extintas.
Além disso, as intervenções contra o aquecimento global estão entre as mais afetadas pelo bloqueio de recursos orçamentários determinado no mês passado pelo governo federal – que também atingiu outras áreas essenciais, como a Educação.
Dos 11,8 milhões de reais que seriam destinados neste ano à Política Nacional sobre Mudança do Clima para atender aos compromissos assumidos pelo Ministério do Meio Ambiente, 11,3 milhões de reais foram contingenciados (96%), sobrando apenas 500.000 reais.
O atual ministro do Meio Ambiente mostrou-se cético quanto à ação humana como principal causa do aquecimento global em uma audiência na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado em março passado. Antes de tomar posse, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Salles também disse que a discussão sobre mudanças climáticas é inócua e que ele pretendia priorizar “questões tangíveis de preservação ambiental”.
Quando decidiu abortar a decisão brasileira de sediar a COP 25, Jair Bolsonaro também anunciara que retiraria o país do Acordo de Paris, de 2015, o que não aconteceu formalmente por intervenção, entre outros, de Salles. O Chile prontamente assumiu a responsabilidade de sediar a COP-25, em dezembro.
O pacto foi ratificado por 147 países, entre os quais o Brasil, que atuou na redação final do texto. Prevê a redução da emissão de gases de efeito estufa para manter o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2 graus no fim do século, em comparação com os níveis pré-industriais. Fóruns de cientistas que atuam nessa área, porém, já advertiram que os compromissos assumidos em 2015 não serão suficientes e que devem ser ampliados.
Antes de assumir o cargo de ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo também se manifestou de forma controversa sobre o tema em seu blog, Metapolítica 17. Para o titular do Itamaraty, a mudança climática é um “dogma científico influenciado pela cultura marxista”, que pretende atrapalhar o Ocidente e beneficiar a China.