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Bordeaux xing ling: a qualidade surpreendente dos vinhos chineses

Gigante asiático investe em rótulos de qualidade, comprando terras na França e importando mão de obra 

Por Alexandre Senechal Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h00 - Publicado em 23 ago 2019, 06h30
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  • A última grande reviravolta no mercado internacional de vinhos ocorreu no célebre “Julgamento de Paris”, em 1976. Na ocasião, em uma degustação às cegas, um seleto grupo de críticos franceses comparou rótulos nacionais a exemplares produzidos na Califórnia. Para surpresa de todos, os estrangeiros tiveram notas melhores. O resultado foi recebido na França como uma humilhação comparável à derrota de Napoleão para os ingleses na Batalha de Waterloo. Já os americanos saíram no lucro. A prova colocou na rota de prestígio as vinícolas do agora consagrado Napa Valley.

    Uma nova revolução pode acontecer em breve, vinda da China. Até pouco tempo atrás, o gigante asiático só chamava atenção pelo seu potencial de consumo. Entre 2000 e 2011, suas importações de vinho cresceram inacreditáveis 26 000%. Com isso, o país tornou-se o quinto maior mercado do produto no mundo. A dose de satisfação dos exportadores começou a virar um sabor amargo quando os chineses resolveram que não queriam apenas beber, mas também competir na produção de vinhos finos. Eles colocaram no mercado 9,3 milhões de hectolitros da bebida em 2018 (o décimo maior volume do planeta). Embora a qualidade média ainda seja baixa, algumas garrafas já recebem elogios de críticos e menções em revistas especializadas.

    A exemplo do que ocorreu em outras áreas, como a automobilística, os chineses aprendem copiando o que há de melhor no mundo. No caso do vinho, o modelo emulado é a França. A garrafa da foto ao lado, produzida com a uva cabernet franc, tirou a nota 96 (de 100 pontos possíveis) no último World Wine Awards, realizado pela revista Decanter, uma das publicações mais respeitadas do segmento. Outro prêmio tradicional, o Concours Mondial de Bruxelles, concedeu na edição de 2019 cinco medalhas Grande Ouro, sua maior honraria, a vinhos da China, três deles de cabernet sauvignon de Ningxia. “É inegável quanto os chineses estão evoluindo nessa área”, atesta Manoel Beato, chef sommelier do restaurante Fasano, uma das maiores grifes gastronômicas brasileiras.

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    TERROIR NOBRE – Agricultoras trabalham na vinícola Silver Heights: clima e solo favoráveis à produção (//Divulgação)

    Como tudo na China, a expansão das vinícolas locais tem um importante incentivo governamental. Em 1996, o então primeiro-ministro Li Peng brindou os demais participantes do Congresso do Partido Comunista com uma taça de vinho tinto, dizendo que o consumo do produto, além de uma forma de economizar outros grãos (a bebida mais popular do país é o baijiu, um fermentado de arroz barato de alto teor alcoólico), era benéfico à saúde e ao incremento do que ele chamou de “ética social”. Em outras palavras, o premiê pregava a necessidade de refinamento do paladar de seus cidadãos.

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    Desde então, o governo tem estimulado a desapropriação de centenas de pequenas propriedades rurais no norte e no noroeste do país para a produção de vinho. A região de Ningxia, por exemplo, situada próximo à fronteira com a Mongólia e escorada pelas montanhas de Helan, possui um terroir similar ao do solo de Bordeaux, na França, de onde saem algumas das mais prestigiadas garrafas do mundo. “Lá o terreno é rico em calcário, argila, pedra e potássio. Além disso, naquela latitude as quatro estações são bem definidas”, afirma Anna Rita Zanier, sócia da loja paulistana Vinum Est. “Eles têm as condições climáticas e o dinheiro. Faltava mão de obra experiente, que os chineses começaram a importar.”

    The New York Times
    SOB NOVA DIREÇÃO - O Château “Coelho Imperial”: investimento na Europa (Andrea Mantovani/The New York Times/Fotoarena)

    Para absorver o know-how, empresários do país compraram vinícolas em território francês. Esses empreendedores têm encontrado donos de châ­teaux simpáticos ao seu dinheiro, tudo porque os impostos sobre herança na França tornam muito caro transmitir o patrimônio às novas gerações. Mas a chegada dos asiáticos não veio livre de ruídos. Alguns deles decidiram trocar o nome de propriedades bicentenárias, batizando-as de “Coelho Imperial” ou “Antílope Tibetano”. “Acredito que vai demorar dez anos para o vinho chinês cair no gosto do consumidor”, aposta Ciro Lilla, proprietário da Mistral, uma das maiores importadoras brasileiras. Caso a previsão se confirme, os apreciadores poderão erguer um brinde a um autêntico bordeaux xing ling — sem acordar de ressaca no dia seguinte.

    Publicado em VEJA de 28 de agosto de 2019, edição nº 2649

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