O momento não poderia ser pior, mas o Palácio do Planalto confirmou o encontro do presidente Jair Bolsonaro com o príncipe saudita Mohammed Bin Salman no sábado, 29, em Osaka, em paralelo à reunião de líderes do G20. Governante da Arábia Saudita, Bin Salman está sob investigação das Nações Unidas, que encontrou “provas confiáveis” de sua responsabilidade pelo assassinato e desaparecimento do corpo do jornalista Jamal Khashoggi em Istambul, em outubro de 2018.
O crime contra o jornalista dissidente Khashoggi, com detalhes terríveis revelados pela perícia turca e pelos órgãos de inteligência internacionais, maculam a imagem do príncipe saudita.
A CIA chegou a apontá-lo como mandante do crime. Mas o pedido da ONU para que o FBI também investigasse o caso foi recentemente indeferido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aliado da Arábia Saudita.
O convite para o encontro, entretanto, partiu do próprio Bin Salman, que já havia demonstrado interesse em se encontrar com o chefe de Estado brasileiro — no caso, Michel Temer — na reunião anterior do G20, em dezembro passado em Buenos Aires. Na época, o Planalto alegara problemas de agenda do presidente.
Neste momento, porém, o interesse do governo brasileiro nos polpudos fundos soberanos dos países do Golfo Pérsico falou mais alto. O Itamaraty já se prepara para atender a duas exigências desses fundos para alocar seus recursos em obras de infraestrutura no Brasil — os acordos de proteção ao investimento e de eliminação da bitributação que, certamente, serão negociados pelo Ministério da Economia.
O Brasil firmou em março passado esses mesmos acordos com os Emirados Árabes e quer fazer o mesmo com a Arábia Saudita, o Catar e o Kuwait. O encontro com Bin Salman será um primeiro passo nesse sentido, apesar de o pragmatismo do governo brasileiro tender a ser engolido, em um primeiro momento, pela repercussão negativa da foto de Bolsonaro ao lado do príncipe saudita.
Bolsonaro também fará do encontro uma prévia de sua visita oficial aos países do Golfo — Arábia Saudita, Catar, Emirados e, possivelmente, Kuwait — em meados de outubro. A viagem fará parte da estratégia do governo de recuperar as boas relações do Brasil com o mundo árabe, feridas pela visita de Bolsonaro a Israel.
O Itamaraty tem sido ativo na tarefa de desarmar essa armadilha que o próprio Planalto armou e caiu desde que o presidente deixou Israel, em 3 de abril passado. O ministério tem feito gestões diretas com cada país árabe e muçulmano desde então.
Macron na lista
Nesta sua primeira participação no encontro das vinte maiores economias do mundo, Bolsonaro concordou em encontrar-se com o presidente da França, Emmanuel Macron, horas antes de embarcar para Osaka. O Itamaraty informou que todas as reuniões bilaterais que se darão em paralelo ao G20 foram solicitadas pelos chefes de Estado dos outros países. Bolsonaro não pediu nenhum encontro.
Estão confirmadas suas conversas paralelas com Xi Jinping, da China, Narendra Modi, da Índia, Lee Hsien-Loong, de Singapura e Bin Salman. O brasileiro pretende incluir na sua agenda uma reunião bilateral com Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul recém-reeleito. Os presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Vladimir Putin, da Rússia, estão fora de seu horizonte, assim como Abe.
Sem as graças do anfitrião
A horas de seu embarque para Osaka, na noite desta terça-feira, 25, o Planalto não conseguira agendar um encontro de Bolsonaro com o anfitrião da reunião do G20, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, que conversará reservadamente com os líderes das principais potências. Levando em conta o grau elevado das relações entre Brasil e Japão, a ausência dessa conversa pode ser interpretada como perda de prestígio do país. Bolsonaro terá de se contentar com o jantar oferecido por Abe a todos os chefes de governo no Castelo de Osaka na sexta-feira, 28.
O Itamaraty e o Planalto tentavam também agendar um encontro de Bolsonaro com líderes para tratar da crise na Venezuela, como meio de destacá-lo como protagonista na busca de solução pacífica para a república sul-americana. Em princípio, o Planalto pretende engajar o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, como copatrocinador da reunião. Brasil, Canadá e Argentina fazem parte do Grupo de Lima, criado em 2017 para lidar com a Venezuela.
Bolsonaro teve melhor sorte na convocação de um encontro de líderes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), fórum criado nos anos 2000 por iniciativa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A reunião na sexta-feira, 28, será uma prévia do encontro anual programado para novembro em Brasília e tenderá a ser dominado pelo impacto nos emergentes da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China — tema que tenderá também a sequestrar a agenda oficial do G20.