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Bolsonaro ataca esquerda, imprensa, França e Raoni na ONU

Em seu primeiro discurso na ONU, presidente brasileiro não poupa a própria organização e defende a agenda de liberalização do país

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 24 set 2019, 12h57 - Publicado em 24 set 2019, 11h26

Em seu primeiro discurso no plenário da Assembleia-Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro abriu frentes de ataques severos contra os governos de esquerda no Brasil, a atitude da França diante dos incêndios na Amazônia e até mesmo o cacique caiapó Raoni Metuktire, uma das principais vozes contra as políticas indigenista e ambiental da sua gestão. Sob a alegação de que trazia a “verdade” ao plenário, o brasileiro criticou até mesmo a própria ONU, a quem acusou de “perverter a identidade biológica”, em referência à agenda da organização em favor da diversidade de gênero.

“Apresento aos senhores um novo Brasil, que esteve à beira do socialismo”, declarou logo no início de seu discurso de 31 minutos – 11 a mais do que o determinado pela ONU a cada chefe de Estado. “Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições”, completou, em uma clara apresentação do viés ideológico de seu governo.

Em plena situação de fritura de seu ministro da Justiça, em Brasília, Bolsonaro interrompeu seus ataques apenas ao alçar a figura do ex-juiz Sergio Moro, a quem elogiou por seu combate à corrupção. Igualmente valeu-se da presença da indígena Yzany Kalapalo, que trouxe à ONU como parte de sua delegação, para dar credibilidade a sua versão de que a Amazônia não está sendo destruída, de que seu governo combate o incêndio criminoso e de que sua política indigenista segue os anseios dos nativos brasileiros.

Bolsonaro não chegou a mencionar a França diretamente, mas referiu-se à nação presidida por Emmanuel Macron como “um país” que adotou uma postura colonialista, seguiu a “mídia sensacionalista” e ousou “sugerir a aplicação de sanções contra o Brasil” no episódio dos incêndios na Amazônia. O presidente brasileiro pediu respeito à soberania nacional e atribuiu a polêmica internacional em torno do desmatamento da Amazônia à “mídia sensacionalista”.

“É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade, e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que nossa floresta é o pulmão do mundo”, afirmou. “Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista.”

Nesse capítulo, Bolsonaro voltou a ser agressivo em relação às reservas indígenas. Afirmou que não vai aumentar a área demarcada como terra indígena dos atuais 14% do território nacional para 20%, “como alguns chefes de Estado gostariam que acontecesse”. Mas completou que pretende permitir aos índios brasileiros, como os ianomâmis e os da Raposa Serra do Sol, a exploração econômica de suas reservas – citou ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras -,  para que não sejam mais “latifundiários pobres em terras ricas”.

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O presidente alegou ainda que haver no país 225 povos indígenas e outras 70 tribos isoladas para sustentar, em seguida, que o cacique Raoni não fala em nome de todos eles. Raoni é a principal liderança que, especialmente no plano internacional, atua em favor da preservação ambiental e da proteção de áreas indígenas desde os anos 1980.

“A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peças de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”, declarou. “Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas.”

Em seu afã de declarar superada a suposta conversão do Brasil ao regime socialista, Bolsonaro deu destaque especial à ação de Cuba, país que se desdobra atualmente para manter sua orientação política e que enfrenta crises fiscal e de desabastecimento. Afirmou que o Brasil “deixou de contribuir com a ditadura cubana” ao revisar o programa Mais Médicos.

“Há poucas décadas, tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados”, declarou, como forma indireta de defender as ditaduras militares de direita que vigoraram na região entre os anos 1960 e 1980.

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Em mais um ataque à esquerda, acusou o Foro de São Paulo de ser uma “organização criminosa” criada para difundir o socialismo por Fidel Castro e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela. O Foro é uma entidade legítima que reúne os partidos de esquerda. Bolsonaro, porém, foi sucinto ao tocar no desafio da crise política da Venezuela, onde disse haver 60.000 agentes cubanos em ação. Em apenas duas linhas escritas, disse estar o Brasil empenhado no restabelecimento da democracia no país com o qual tem a maior fronteira terrestre.

Seu discurso não deixou de causar impressão na plateia. A chanceler Angela Merkel expressou na face sua contrariedade. Mas não houve, como se temia, protesto de delegação insatisfeita com a mensagem de Bolsonaro.

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A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, durante discurso de Jair Bolsonaro: enfado – 24/09/2019 (Tv Brasil/Reprodução)

Ideologia

Em linha com o pensamento do guru de seu governo, Olavo de Carvalho, o presidente condenou os “sistemas ideológicos de pensamento que não buscam a verdade, mas o poder absoluto”. Trata-se de uma definição repetida com frequência pelo chanceler Ernesto Araújo em seus discursos contra a “contaminação” do globalismo e do marxismo cultural em instituições e até mesmo na família.

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Bolsonaro se disse vítima desse sistema, ao ter sido “covardemente esfaqueado por um militante de esquerda”, e trouxe esse arrazoado ao falar contra a atuação da própria ONU em prol dos direitos humanos e, especificamente, da defesa à diversidade de gênero. Para o presidente, “essa ideologia” a ser eliminada está expressa no politicamente correto, na repetição de clichês e palavras de ordem. Afeta a família, atinge as crianças e “deixa um rastro de morte, ignorância e miséria”.

“Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um interesse global abstrato. esta não é a Organização do Interesse Global. É a ONU. Assim deve permanecer”, declarou.

Em resposta a duras críticas dirigidas a seu governo pela alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, Bolsono insistiu que a criminalidade está diminuindo no país. Avisou também que terroristas disfarçados de perseguidos políticos não terão mais esconderijo no Brasil.

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Abertura econômica

Indo e voltando aos temas, sem uma ordem muita clara em sua oratória, Bolsonaro cometeu um deslize ao afirmar que, em apenas oito meses, seu governo conseguiu arrematar as negociações de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia e também com os países do EFTA (Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein). As discussões haviam sido retomadas e praticamente finalizadas na gestão anterior, de Michel Temer.

Sua declaração em favor da assinatura de novos acordos comerciais, porém, remarcou seu compromisso com a agenda liberal do Ministério da Economia. Bolsonaro condenou os “vícios e amarras de quase duas décadas de irresponsabilidade fiscal, aparelhamento do Estado e corrupção generalizada” que, embora não tenha mencionado, vinculou aos governos do PT. Mencionou também, com entusiasmo, o início do processo de adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Como manda a tradição nas Nações Unidas, coube ao Brasil o primeiro discurso, seguido pelos Estados Unidos. Essa deferência se dá desde a primeira reunião plenária oficial da Assembleia-Geral, em 1947. Naquela época, a ONU tinha 57 membros. Nesta 74ª reunião, são 195.

Até 1982, os discursos do Brasil foram feitos pelos ministros de Relações Exteriores ou pelos chefes da missão do país na ONU. Naquele ano, porém, o discurso foi feito pelo então presidente brasileiro, o general João Baptista Figueiredo. Na redemocratização, falaram no plenário da Assembleia-Geral os presidentes José Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer.

Bolsonaro deverá manter uma conversa informal com o presidente americano, Donald Trump, logo depois de seus discursos, no prédio da ONU. O retorno de Bolsonaro a Brasília está previsto para hoje. Por razões médicas, ele cancelou todos os encontros bilaterais que manteria ao longo da semana em Nova York. O chanceler Ernesto Araújo cumprirá parte dos encontros nos quais o presidente se ausentará.

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