Decepcionada com a “fragilidade branca” — eufemismo para a dificuldade de falar sobre racismo — de suas colegas democratas brancas durante sua campanha para o congresso dos Estados Unidos em 2018, a advogada americana Saira Rao, descendente de indianos, pensou em uma iniciativa para combater o preconceito velado entre mulheres. Rao e sua amiga Regina Jackson, afro-americana do setor imobiliário, criaram o Race to Dinner, um programa que traz o debate sobre o racismo para a mesa de jantar.
O Race to Dinner funciona da seguinte maneira: Até sete mulheres brancas se oferecem para realizar um jantar e, durante a refeição, Rao e Jackson lideram uma discussão para desafiar essas mulheres a compreender o próprio racismo, mesmo que subconsciente.
Desde dezembro de 2018, houve pelo menos 15 jantares, cada um orçado em cerca de 2.500 dólares (11.602 reais). A maioria deles se deu em Denver, no estado americano do Colorado. Segundo Rao, desde o início de 2020, há pelo menos 250 pedidos para agendar um jantar. A expectativa é que aconteçam até 20 neste ano.
A mesa com pratos fartos e vinhos foi escolhida como local para o debate sobre racismo por ser mais acolhedora e informal, segundo as co-fundadoras do Race to Dinner. “Se nós discutíssimos racismo em uma sala de conferência, as pessoas sairiam”, disse Jackson ao jornal britânico The Guardian.
Em entrevista a VEJA, Rao afirmou que já viu pessoas brancas se retirarem da reunião de uma organização não-governamental voltada às mulheres não-brancas, chamada Haven, ao ouvir uma das participantes defender a “reparação histórica”. Esse conceito diz respeito à compensação sócio-econômica aos descendentes de pessoas oprimidas ou escravizadas.
Por que se concentrar nas mulheres brancas, então? “Homens brancos representam a maioria das pessoas no poder. Essas mulheres estão intimamente relacionadas a esses homens, que são seus maridos, irmãos, pais ou filhos”, disse Jackson a VEJA. “Mas as mulheres brancas são vítimas dessa mesma hegemonia, sob a forma do patriarcado. Então, elas podem escolher entre permanecer como cidadãs de segunda classe ou questionar esse sistema”, conclui.
Racismo velado
As pessoas brancas, em especial as mulheres, são educadas para enxergar o racismo como uma questão maniqueísta — racistas são ruins, então, anti-racistas são bons” —, acredita Rao. Nesse sentido, segundo a advogada, “as mulheres brancas querem se desassociar da realidade institucional” do racismo.
Como um problema estrutural, Jackson destaca que as pessoas, incluindo as não-brancas, “escutam comentários racistas e veem atitudes racistas, mas não reagem”. Ser conivente com o racismo é ser racista, para Rao e Jackson.
Como exemplo, lembrou-se de uma enfermeira que serviu de anfitriã para o Race to Dinner e admitiu permanecer em silêncio quando um superior lhe disse que o hospital deveria parar de contratar médicos “estrangeiros”.
“Quando uma pessoa cultiva essa mentalidade de que é possível não ser racista, ela provavelmente vai se sentir mal ou até mesmo se indignar se for acusada de cometer racismo. Essa reação, então, pode matar o diálogo e o debate sobre o tema”, conclui Rao.
De fato, os jantares do Race to Dinner provocam as anfitriãs. Em uma ocasião, uma mulher disse que não enxergava Rao e Jackson como suas “iguais em questão de humanidade”. Em outro jantar, uma mulher assumiu que não defendia o seu filho, que era negro, de “brincadeiras” racistas de familiares e amigos. O motivo: a mãe temia que ele fosse excluído socialmente se ela reagisse contra aquelas atitudes racistas.
Algumas participantes, entretanto, não conseguem desabafar sobre situações vividas de racismo para Rao e Jackson. Conscientes disso, as co-fundadoras do Race to Dinner contrataram uma mulher branca, Lisa Bond, para fazer parte do programa. A decisão foi adequada. Em uma conversa com duas anfitriãs, depois de um dos encontros, Bond conseguiu extrair delas o que haviam ocultado durante todo o jantar: ambas tinham filhos negros. “Isso foi desanimador”, disse Jackson.