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Aliança reforçada: o impacto do ingresso da Finlândia na Otan

País desfecha um golpe contra Vladimir Putin, que vê a entidade militar do Ocidente mais que dobrar sua presença na fronteira russa

Por Ernesto Neves, Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h02 - Publicado em 8 abr 2023, 08h00
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  • Cortando um dobrado para arrancar tom positivo na sua invasão não provocada da Ucrânia, que teimosamente resiste e combate o inimigo há mais de um ano, o presidente russo Vladimir Putin teve de engolir mais um sapo, e dos grandes: cumprindo o que anunciou em maio passado, a Finlândia se tornou oficialmente o 31º membro da Otan, a aliança militar criada para conter projetos expansionistas da extinta União Soviética. A adesão se concretizou em um encontro do presidente finlandês Sauli Niinistö com o secretário de Estado americano Antony Blinken na sede do bloco, em Bruxelas. “Entramos em uma nova era”, declarou Niinistö, referindo-se ao fim de décadas de neutralidade e pacifismo finlandeses. “Putin foi à guerra para ter menos Otan e conseguiu o oposto”, cutucou o secretário-ge­ral da aliança, Jens Stoltenberg.

    De fato, um objetivo declarado de Putin ao invadir o vizinho era cortar sua aproximação com a organização e preservar a fronteira terrestre russa. Agora, ela está mais vulnerável ainda. A entrada para a Otan ocorre em um momento de virada no país nórdico, de 5,5 milhões de habitantes: na eleição legislativa de domingo 2, dois partidos de direita conquistaram a maioria dos votos, encerrando o governo de centro-esquerda da primeira-ministra Sanna Marin, do Partido Social Democrata. Ao assumir o cargo, em 2019, Marin, a mais jovem mandatária do mundo, aos 35 anos, virou ícone do progressismo, elogiada pelas decisões na pandemia e pelo sólido apoio à Ucrânia (embora tenha acumulado haters ao ser flagrada se esbaldando em baladas). Mesmo assim, foi desbancada por seu tradicional opositor, o Partido da Coligação Nacional, de centro-direita, liderado por Petteri Orpo, que levou 48 dos 200 assentos do Parlamento, e, isso sim surpreendente, pelo ultranacionalista Finlandeses, que abocanhou 46 cadeiras (o PSD ficou com 43). “O melhor resultado possível”, celebrou a líder Riika Purra, uma espécie de anti-Marin, que se tornou uma força política impossível de ser ignorada.

    MUDANÇA - Curva à direita: Marin (à dir.) perdeu a eleição para Orpo e Purra
    MUDANÇA - Curva à direita: Marin (à dir.) perdeu a eleição para Orpo e Purra (Antti Aimo-Koivisto/Lehtikuva/AFP)

    Orpo tem agora a missão de costurar o futuro bloco governista, o que pode levar semanas. O mote para a derrota de Marin foi a economia — as duas legendas vencedoras defenderam austeridade, enxugamento de benefícios sociais e combate à inflação. Mas o conflito na Ucrânia teve seu papel. “A instabilidade trazida pela guerra deflagrou uma onda conservadora”, diz Teivo Teivainen, cientista político da Universidade de Helsinque. Antes da Finlândia, a vizinha Suécia também elegeu um novo governo em setembro com papel de destaque para o ultradireitista Democratas Suecos (DS) e sua campanha contra imigrantes. A Suécia, como a Finlândia, iniciou o processo de adesão à Otan, mas enfrenta entraves de dois membros (a aprovação tem de ser unânime): o turco Recep Erdogan exige que Estocolmo extradite opositores que o país estaria abrigando e o húngaro Viktor Orbán se ressente das (merecidas) críticas suecas ao seu autoritarismo.

    Com a entrada da Finlândia na Otan, a fronteira de 1 215 quilômetros da Rússia com cinco países do bloco (6% do total) mais que dobra, com a adição dos 1 340 quilômetros que separam o território russo do finlandês. Além disso, os finlandeses são a terceira potência em rede 5G do mundo, dispõem de uma arrojada frota de caças F-35 e sua artilharia é a maior da Europa Ocidental, com poder de fogo superior à da Polônia, Alemanha, Noruega e Suécia combinadas, segundo relatório do Wilson Center, de Washington. “A sanha expansionista de Putin mudou o debate no Norte da Europa. Agora os países da região sentem necessidade urgente de se proteger”, diz Igor Lucena, especialista em relações internacionais na Universidade de Lisboa.

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    Além da expansão, a Otan também está rompendo tabus ao viabilizar o envio de equipamentos de grande poder ofensivo para a Ucrânia. Kiev já recebeu 31 tanques Leopard-2 alemães e catorze Challenger-2 britânicos e a Polônia confirmou haver despachado o primeiro lote de caças MiG-29. Reagindo à ampliação da aliança, o ministro da Defesa russo Sergei Shoigu afirmou que ela “aumenta os riscos de um conflito mundial” e anunciou que aviões de Belarus, aliado de Moscou, estão sendo preparados para transportar ogivas atômicas a ser armazenadas no país. Os jogos de guerra na Europa, que se julgavam extintos no século XXI, infelizmente vêm ganhando uma dimensão assustadora.

    Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836

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