Ao caminhar pelas ruas de Pequim ou Xangai, chama atenção o formigueiro humano mais denso do que o dos últimos três anos. A cena contrasta com os recentes cartões-postais produzidos pela política de Covid Zero, implantada em janeiro de 2020, em que o governo, liderado com mãos de aço por Xi Jinping, controlava o ir e vir das pessoas à base de barreiras sanitárias, inundava as calçadas com estações de testagem compulsória e exigia durante rigorosos lockdowns que chineses apresentassem um QR code no celular a cada saída, de forma a tutelar os movimentos da maior população do planeta. Há três meses, com a economia travada e os chineses já revoltados com as medidas draconianas — a ponto de se porem a protestar, uma raridade no país —, o governo relaxou todo o cerco de forma radical e à moda chinesa: ninguém reconhece o equívoco de tamanhos excessos, e o discurso oficial segue sustentando que deu tudo certo.
No princípio, de fato, a máquina do Partido Comunista demonstrou eficiência ao montar uma colossal logística para testes em massa e conseguir isolar quem estava doente, em movimentação sanitária elogiada pelo mundo afora. Mas, como o vírus era irrefreável e a vacinação deixou a desejar, com muita gente desconfiando até hoje dela, a situação foi fugindo ao controle. E dá-lhe isolamento social.
Muita gente ainda circula de máscara, um hábito de vários países do Oriente mesmo antes da Covid-19. No transporte público, elas continuam a ser obrigatórias, mas só. Depois de dispararem a níveis recordes em dezembro passado, após o relaxamento das rédeas estatais, as contaminações parecem ter chegado a um patamar baixo — embora o governo não dê um pio no campo estatístico. “Não sabemos mais quantos estão infectados”, lamenta um cidadão de Xangai que pede para ser chamado apenas de Pat. Sobre a origem do vírus, um novo relatório científico reforça a hipótese mais provável — a de que teria sido transmitido a humanos por animais de uma feira de Wuhan —, o que colide com a afirmação recente do FBI que retoma a ideia hollywoodiana de ele ter escapado de um laboratório da cidade. Alheias ao que agora soa como passado distante, as pessoas compram, vão à balada e a restaurantes. A vida na China está, de novo, fervilhante.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834