De tempos em tempos, uma nova tendência no turismo nasce em alguma região inexplorada, atrai adeptos e depois se espalha pelo mundo. A onda da vez seguiu esse roteiro. Quem enfrenta filas para conseguir uma vaga de hospedagem na vila medieval de Santo Stefano di Sessanio, nas montanhas de Abruzos, na Itália, a leste de Roma, talvez não saiba que, na década de 1990, o local foi abandonado pelos moradores, que migraram para cidades grandes em busca de emprego. Ao deparar com o cenário histórico prestes a ser esquecido, o empresário italiano Daniele Kihlgren comprou e restaurou as casas para transformá-las em espaços de estadia. A proposta faz parte de um conceito, batizado de albergo diffuso (algo como “hotel disseminado”, em português), disseminado inclusive para fora da Europa.
A experiência consiste em um tipo de turismo que não abre mão do conforto, mas sem interferir na paisagem das cidades pequenas com grandes construções em concreto, mármore ou vidro. Em linhas gerais, o modelo se propõe a interiorizar o turismo, integrando o visitante à cultura local. A combinação de luxo com história, portanto, parece perfeita para quem não quer apenas se divertir e descansar, mas também absorver conhecimento. “A ideia gira em torno de garantir a integridade e a preservação do patrimônio histórico”, disse Kihlgren a VEJA. É um negócio lucrativo. A diária em Di Sessanio sai pelo equivalente a 1 100 reais, e há fila de espera. Na comuna de Matera, que também pertence a Kihlgren, os quartos foram instalados em cavernas ancestrais esculpidas nas rochas de uma colina. Nesse caso, a hospedagem custa 2 800 reais por dia.
A essa altura, o leitor deve estar se perguntando: mas, afinal, como o albergo diffuso se diferencia de um Airbnb? “São iniciativas muito diferentes”, diz Giancarlo Dall’Ara, um dos precursores da tendência nascida na Itália. Os albergues de luxo ficam necessariamente em locais históricos e buscam manter a autenticidade e as tradições locais, algo que não faz parte da premissa do Airbnb. Dall’Ara começou a fundamentar a ideia quando foi convidado para ajudar a reconstruir a região de Cárnia, no norte da Itália, que havia sido abandonada depois de ser atingida por terremotos. Em vez de propor a construção de hotéis verticais para convidar novos visitantes, sugeriu a utilização das próprias moradias vazias para hospedar quem fosse à cidade. Deu certo.
Da criatividade nasceu a Associação dos Albergui Diffusi para catalogar — e garantir a autenticidade — os hotéis que pretendem se enquadrar no conceito. Na ilha Nkombo, em Ruanda, a Sextantio, empresa de Kihlgren, instalou o seu primeiro albergo diffuso fora da Itália. Desde março, turistas podem se hospedar em cabanas tradicionais dentro de comunidades pescadoras, com direito a praia privativa e wi-fi nos quartos — tudo isso por cerca de 3 000 reais a diária. Na Suíça, por pouco mais de 1 000 reais por dia, os viajantes se hospedam em pequenas casas centenárias construídas a mão com pedras de granito, no vilarejo de Corippo. Na cidade de Yakage, entre Osaka e Hiroshima, no Japão, os visitantes acomodam-se em moradas típicas do século XVII e desfrutam aulas de meditação e caligrafia japonesa. Alternativas semelhantes são encontradas na França, Croácia e Coreia do Sul. Viajar é ótimo, mas desbravar as tradições locais pode ser melhor ainda — e certamente muito interessante.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838