No dia 20 de janeiro de 1942, líderes e chefes do Partido Nazista organizaram uma reunião hoje conhecida como Conferência de Wannsee, em Berlim. O objetivo era simples: consolidar os detalhes do que viria a ser o genocídio judeu na Europa do século XX.
O evento foi coordenado por Reinhard Heydrich, diretor da Gestapo, polícia e serviço secreto do governo de Adolf Hitler. Juntaram-se a ele diversos representantes do Estado, o que levou o encontro a ser denominado, na época, “conferência dos secretários adjuntos”.
O principal resultado da reunião foi a conscientização de peças importantes do governo nazista acerca dos planos de extermínio judeu, que culminaria em mais de seis milhões de mortes pela Europa. Durante o evento, o aparato estatal que aniquilou a maior parte dos judeus europeus foi calibrado, coordenado, organizado.
A partir de então, a “solução final” (baseada em ações como o envenenamento de judeus em câmaras de gás) tornou-se um plano administrativo muito bem organizado e disseminado entre os altos escalões do Estado. A este ponto, portanto, o assassinato de membros da comunidade judaica não se restringiria mais a algumas ações isoladas em certas regiões da Europa, mas sim abrangeria todo um complexo plano cujo objetivo último seria o desaparecimento dos judeus do continente.
Oito décadas após a Conferência de Wannsee, não é difícil encontrar falas ou atitudes antissemitas nas notícias. Efeitos das diretrizes adotadas na reunião continuam aparecendo em forma de notícias por todo o planeta.
Personalidades como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e até mesmo a autora britânica J. K. Rowling foram recentemente acusados de proferirem discursos de ódio contra os judeus, o que aponta para a persistência do preconceito contra esse povo quase um século depois do fim da Segunda Guerra Mundial.
Outro exemplo é o governo ultranacionalista polonês, que, no começo do ano passado, condenou historiadores especializados no Holocausto por supostamente mentirem sobre ações antissemitas praticadas por um prefeito polonês durante os tempos de perseguição na Europa. Diversos pesquisadores disseram se tratar de uma caça às bruxas.
Para Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), as atitudes de autoridades podem ser muito importantes no sentido de atrair e incentivar grupos supremacistas e neonazistas. “Toda vez que uma pessoa pública expressa simpatia ou identidade com esses movimentos, isso sensibiliza seus seguidores, estimula suas ações contra determinadas etnias e comunidades”, opina.
Desse modo, tanto por parte de governos quanto de indivíduos, parece crescer o número de declarações e atitudes antissemitas, afirma a VEJA Raheli Bratz-Rix, chefe do departamento de combate ao antissemitismo e ao aumento da resiliência da Organização Sionista Mundial. “Judeus não se sentem seguros em suas casas, nas universidades ou nas ruas de suas cidades.” De acordo com o especialista, outro ponto importante que aponta para o preconceito contra os judeus é a recente banalização do Holocausto por alguns grupos.
De fato, nos últimos anos, parece ter ganhado força, por exemplo, a teoria da conspiração de que o genocídio judeu é uma farsa. Segundo os conspiracionistas, os nazistas jamais assassinaram seis milhões de judeus. Para eles, tampouco existiram câmaras de gás capazes de matar pessoas em massa, e a perseguição estatal desses povos durante a Segunda Guerra seria uma mentira.
A atenção chamada por pessoas que defendem essa teoria foi tão grande que, em 2018, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, saiu publicamente em defesa do direito desses negacionistas de participarem de sua rede social, por meio da qual frequentemente espalham desinformação e notícias falsas. Resta pouca dúvida que a presença de supremacistas e neonazistas nas mídias torna a ação desses grupos mais fácil, já que, com a ajuda da internet, a comunicação e a disseminação de seus ideais é mais fácil hoje do que nunca.
“Chegamos até mesmo a ver pessoas culpando judeus pela disseminação da Covid-19 recentemente”, conta Laurence Weinbaum, diretor geral do Congresso Judaico Mundial. “Somos bodes expiatórios convenientes usados por todo o mundo.”
Quando se trata de antissemitismo, a América Latina não é exceção. Em novembro do ano passado, o comentarista José Carlos Bernardi afirmou publicamente que o Brasil poderia enriquecer a níveis alemães “se a gente matar um monte de judeus e se apropriar do poder econômico deles”. Além disso, alguns líderes da região têm estreitado suas relações com o Irã, cujas autoridades frequentemente negam em público o Holocausto judaico.
Por outro lado, há indivíduos que defendem que, ainda que o Holocausto tenha acontecido, seria importante — inclusive para os judeus — deixá-lo para trás e esquecer dos terrores vividos durante as décadas de 40 e 50 na Europa como forma de seguir em frente. Raheli Bratz-Rix discorda.
“É crucial que lembremos os aniversários de eventos como a Conferência de Wannsee e aprendamos com ele”, diz o especialista. Desse modo, é de extrema importância para a comunidade lembrar-se de todos que foram vitimizados pelo Holocausto, que são muito mais do que apenas números e estatísticas. É em nome deles que, no próximo dia 27, a Conib, a Federação Israelita do Estado de São Paulo e a Congregação Israelita Paulista realizarão, às 19h30, o Ato em Memória às Vítimas do Holocausto.
“O melhor modo de combater o antissemitismo é pela educação, por meio de medidas como a implantação de aulas sobre o Holocausto em escolas e universidades. Somente assim poderemos garantir que o povo judeu viva com segurança e prosperidade onde quer que esteja”, declara Bratz-Rix.
Afinal, conforme explica Laurence Weinbaum, o antissemitismo não é um problema apenas para judeus, mas para a sociedade toda. O preconceito com que age uma sociedade é um barômetro de sua moralidade e bem-estar, e a prevalência do ódio e julgamento da comunidade judaica é certamente um sinal de que algo está errado.