Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

“A guerra prova a irracionalidade humana”, diz voluntário na Ucrânia

O brasileiro Alysson Vitali, de 42 anos, ajuda a resgatar refugiados

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h54 - Publicado em 22 Maio 2022, 08h00
Alysson Vitali -
Alysson Vitali – (./Arquivo pessoal)

“Estava na casa do meu pai no Espírito Santo quando vi o primeiro dia da guerra na Ucrânia. Como gerente de eventos esportivos, já havia trabalhado com esporte comunitário em situações de pós-conflito no Líbano, Palestina e Filipinas. Eu não tinha nenhuma relação prévia com os ucranianos, não conhecia ninguém lá, mas as imagens daquelas famílias desnorteadas, abandonado suas casas às pressas, fugindo da guerra que estava apenas começando, me tocaram. Precisava ajudar aquelas pessoas de alguma forma. Peguei algumas economias e comprei uma passagem para Varsóvia, sem saber direito o que ia fazer. Lá, atravessei a fronteira a pé. Um policial me disse que não era uma decisão muito inteligente. Não me importei e segui em frente. Descobri que o policial tinha razão, mas o que vi me impressionou ainda mais: mulheres em fuga que deixaram maridos e filhos homens para trás, idosos e crianças que não entendiam direito o que estava acontecendo. O frio era absurdo e muitos não conseguiam chegar à fronteira. Vi que poderia ajudar.

Retirar refugiados não é uma operação fácil: eu passo quase um dia inteiro na fila para encher o tanque do carro e gasto cerca de dezessete horas para entrar na Ucrânia com mantimentos e medicamentos doados por entidades filantrópicas e voltar para a Polônia com o carro cheio de refugiados. Até aparelho de raio-X para um hospital em uma pequena vila ucraniana eu levei. Desde que cheguei, em março, já estive em 22 cidades e retirei 78 pessoas no carro que aluguei. Em uma de nossas viagens, éramos dez pessoas no mesmo carro, sendo cinco crianças. Não falo ucraniano nem russo. Faço tudo com um aplicativo de celular que traduz minhas conversas. Em postos de controle não é permitido usar telefone e preciso me virar. Certa vez chorei quando um pai entregou sua esposa e os três filhos e voltou para lutar pela Ucrânia. Em outra ocasião, em Lviv, um homem deixou a filha e o tradutor do celular registrou o que ele disse: ‘Não conheço vocês, não sei quem vocês são, mas preciso confiar a vida da minha filha a vocês’. Tudo parece um filme, só que é de verdade.

Já tive um burnout e voltei temporariamente ao Brasil. Recuperado, retornei à Ucrânia para continuar o trabalho. Não me vejo como herói, embora saiba que talvez minha ajuda tenha sido a única oportunidade de muitas pessoas de escaparem dos efeitos da guerra. Testemunhei o rastro de destruição deixado pelos russos. Estive em Bucha dias depois do massacre que deixou corpos de civis abandonados pelas ruas. As cápsulas das balas ainda estavam espalhadas pelo chão. Andando com uma câmera acoplada no carro, gravamos, eu e um amigo, imagens da destruição: carros explodidos, motoristas alvejados por tiros enquanto trafegavam, inclusive veículos de ajuda humanitária. Senti o cheiro da morte. Vi a guerra em seu estado mais puro, cruel e covarde.

Continua após a publicidade

Os relatos são estarrecedores. Idosos que não conseguiram fugir descrevem estupros de mulheres de suas próprias famílias. A guerra prova a irracionalidade humana. Vi corpos de pessoas que morreram sem ter culpa alguma pelo conflito. Crianças que tiveram casas saqueadas um dia me perguntaram se eu não podia dar a elas um brinquedo. Dias depois, na rua em que os corpos estavam espalhados, eu e cinco crianças andamos de skate juntos. Imagine a brutalidade psicológica com que os sobreviventes são obrigados a conviver. No trajeto até a fronteira, poderíamos ter sido atingidos por bombas despejadas nas estradas. Tentamos não pensar nisso. Para mim, não importa a questão política por trás do conflito. Se um russo bater hoje à minha porta, vou socorrê-lo. Meu objetivo é ajudar seres humanos.”

Alysson Vitali em depoimento dado a Laryssa Borges

Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.