O Equador vive um cenário de guerra desde a noite de 8 de janeiro, quando o criminoso “mais procurado” do país escapou da prisão. Na terça-feira 9, homens armados invadiram um estúdio de televisão e ameaçaram jornalistas ao vivo. Isso fez o presidente Daniel Noboa decretar estado de “Conflito Armado Interno” em todo o território nacional. No primeiro dia sob o decreto, pelo menos 40 eventos violentos foram registrados, ao menos 13 pessoas morreram e cerca de 70 foram presas.
Outrora um país pacífico, o Equador viu nos últimos anos uma evolução de gangues criminosas que hoje fazem o território nacional de refém, não muito diferente do que Pablo Escobar fez com a Colômbia nos anos 1990.
Onda de violência recente
O mais recente aumento de violência começou em 7 de janeiro, quando a polícia se mudou para La Regional, uma prisão na cidade de Guayaquil, onde Adolfo Macías Villamar, mais conhecido como “Fito”, um dos maiores gangsters do país estava detido. O plano era transferi-lo para La Roca, uma prisão menor dentro do mesmo complexo, considerada mais segura por abrigar menos presos. Mas, quando a polícia entrou na cela de Fito, encontrou-a vazia.
Um porta-voz do governo disse que Fito foi avisado sobre sua transferência iminente já no Natal e escapou antes que pudesse ser realocado. Por que o criminoso não queria sair da La Regional? Bom, muitas das alas prisionais que abrigam os membros de gangues mais notórios não são controladas não pelo Estado, mas pelos próprios presos. Em La Roca, ele não poderia, por exemplo, alugar celas individuais, nem contrabandear alimentos, bebidas e drogas.
Ainda não está claro quando, ou como, exatamente ele fugiu, mas dois guardas foram acusados de ajudá-lo. A notícia da fuga, por sua vez, desencadeou rebeliões em pelo menos seis prisões equatorianas, e vários agentes penitenciários foram feitos reféns.
Governo de gangues
Fito lidera uma das gangues de prisão mais poderosas do Equador, Los Choneros. Mas existem outros grupos que controlam outras penitenciárias. E, em algumas instituições, gangues rivais são responsáveis por gerir diferentes alas. Os lados em conflito, por vezes, são separados apenas por arame farpado.
Qualquer mudança no equilíbrio de poder entre as organizações criminosas – ou mesmo uma luta de poder interna nas prisões – pode se tornar mortal. Isso ficou claro com o assassinato do antecessor de Fito, Jorge Luis Zambrano, em 2020, que levou a uma divisão na gangue. Diferentes braços do grupo, rapidamente, se transformaram em inimigos mortais – um barril de pólvora que explodiu em 21 de fevereiro de 2021, quando lutas simultâneas em quatro prisões do país deixaram 79 detentos mortos. Mais tarde no mesmo ano, outros 123 foram assassinados numa briga de gangues na prisão de Litoral.
Por que há tantas gangues no Equador?
O país fica entre a Colômbia e o Peru, os dois maiores produtores de cocaína do mundo – indústria que, de acordo com o Relatório Global das Nações Unidas sobre a Cocaína de 2023, atingiu recentemente um nível recorde.
As forças de segurança colombianas, em particular, passaram décadas tentando conter o fluxo da droga, com a parceria dos Estados Unidos – história que se popularizou com a série “Narcos”, da Netflix. Em reação à repressão, porém, os traficantes se tornaram mais internacionais.
Os cartéis de droga mexicanos e grupos criminosos dos Balcãs encontraram uma posição segura na América do Sul depois das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), guerrilha paramilitar que controlava muitas das rotas de contrabando na Colômbia, serem desmobilizadas e desarmadas como parte de um acordo de paz, assinado em 2016. Seu maior objetivo é transportar a cocaína produzida na Colômbia para compradores na Europa e nos Estados Unidos – e aí entra o Equador.
Com os seus grandes portos na costa do Pacífico e experiências limitadas em lidar com gangues criminosas, o pequeno país sul-americano rapidamente se tornou um ponto de trânsito atraente para carregamentos de drogas vindas do México e da Colômbia.
Eleições marcadas por violência
A forma como o novo presidente do Equador, Daniel Noboa, no cargo há dois meses, irá confrontar as gangues prisionais que agora transbordaram pelas ruas das principais cidades do país será um enorme teste para Noboa.
O empresário de 36 anos, um outsider da política, foi eleito após o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio, em agosto. Ele prometeu combater as gangues que se acredita estarem por trás do assassinato de Villavicencio.
Mas, cinco meses depois desse incidente chocante, muitos equatorianos ainda pensam duas vezes antes de sair de casa.