Um século de fogão: a tradicional Le Creuset virou até item de colecionador
Marca cavou seu lugar no concorrido panteão francês das boas panelas e utensílios

Poucos assuntos atiçam tanto o orgulho francês quanto a gastronomia, cultivada tal qual conhecemos hoje desde os tempos da perdulária corte de Luís XIV (1643-1715), o Rei Sol, que oferecia lautas refeições no Palácio de Versalhes. Bases, molhos, o rito à mesa — tudo foi se aprimorando a partir dali. E a indústria, naturalmente, acompanhou as demandas cada vez mais específicas de chefs colecionadores de estrelas ou de aspirantes à constelação. É sob essa moldura, em que a culinária se faz parte da própria identidade nacional, que uma inventiva indústria floresceu e abriu espaço para grifes que todo bom cozinheiro quer ter, dentro e fora da França. Nesse cenário, não é pouca coisa se tornar a mais desejada de todas as marcas de acessórios culinários — caso da Le Creuset, conhecida pelas coloridas panelas de ferro fundido esmaltado, que crava agora a proeza de completar um século de existência.
Presente em quarenta países, a centenária empresa atrai um tipo de público que chega a frequentar leilões para garimpar itens do passado. No Brasil, onde a procura também é elevada, as comemorações começam em maio, com o lançamento de um livro de mesa que percorre a saga da grife. Entre os “Le Creuset lovers” (assim são chamados os consumidores mais vorazes), há quem passe do ponto. Nos Estados Unidos, a empresária April Hershberg, 42 anos, virou notícia ao mandar construir — e exibir, claro — uma cozinha para combinar com suas assadeiras, jarras, panelas e pratos na cor cereja. O tom vívido é marca registrada dos acessórios Le Creuset, distinguindo-os nas prateleiras. Em programas de gastronomia, é quase um item obrigatório no cenário.

O esmalte que reveste as caçarolas era novidade quando dois homens de negócio belgas farejaram a oportunidade de abrir uma fundição na França. À época, como os utensílios no mercado eram todos de coloração neutra, a inovação virou febre na Europa e, nos anos de 1950, conquistou os Estados Unidos com uma paleta cada vez mais diversa. Isso ajudou a consolidar a ideia de que, além de ferramentas de trabalho, os acessórios eram colecionáveis. Em 1988, a empresa, comprada pelo sul-africano Paul van Zuydam, se expandiu sob o impulso de um marketing eficiente e investimento em design. O modelo mais tradicional de panela, a coquelle, foi desenhada por Raymond Loewy, o criador da icônica garrafa de Coca-Cola.
Chefs no Brasil já revelaram apreço pelos itens de inconfundíveis tonalidades, como Carla Pernambuco, Claude Troisgros e Emmanuel Bassoleil, que traz na memória a mãe debruçada sobre sua Le Creuset, quando moravam em um vilarejo da Borgonha. “Lembram minha infância. Até hoje ela faz na panela uma batata crocante que gruda no fundo”, conta o cozinheiro, que tem várias na cozinha do restaurante Skye, no Hotel Unique, em São Paulo. Em programa no YouTube, Paola Carosella deu de exibir sua caçarola de ferro e propagandeou: “Paga-se um alto valor, mas dura décadas”, disse, entregando o preço — 2 500 reais o modelo clássico. Já o concebido para o centenário, batizado de Flamme Dorée (a chama dourada), pode chegar pelo dobro. Será edição limitada na usual cor laranja, mas salpicada de um dourado de ouro de verdade. Os “Le Creuset lovers” já estão de olho.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942