Mercado efervescente: setor de kombuchas se expande e ganha escala industrial
Ao beber da crescente demanda por alimentos naturais, produto chega a 270 marcas apenas no Brasil
Uma receita milenar de chá fermentado, refrescante e levemente gaseificado está conquistando o mundo, agora com novos ingredientes e sabores. A família dos kombuchas — palavra de origem japonesa que remete a uma alga marinha e virou sinônimo de bebida que faz bem à saúde — está em ebulição, especialmente em terra brasileira. Diz a lenda que o preparo foi inventado na China por volta de 220 a.C. Ao longo dos séculos, ele deu a volta ao globo. Agora surfa a onda de um mercado em alta, o de alimentos com apelo saudável. No início, ao despontarem os anos 2000, o produto fez sucesso entre um grupo restrito de brasileiros, à época rotulados de “naturebas”. Mas, da pandemia para cá, a clientela aumentou barbaramente, com toda uma indústria ganhando escala e mais gente seguindo o ritual de elaborar seu próprio kombucha em casa.
O fenômeno é internacional. As vendas da bebida chegam a 2,6 bilhões de dólares ao ano e projeta-se um crescimento de 15% até 2030. Para brasileiros, não faltam opções em supermercados e lojas de produtos naturais, em diversos tipos de embalagem — da garrafa de vidro ao Tetra Pak — e inúmeros aromas, com a vantagem de a bebida pronta ter se livrado do sabor residual de vinagre. O setor se profissionalizou, se diversificou e se proliferou. A grande virada por aqui ocorreu em 2023, quando pequenas marcas foram incorporadas por startups e empresas com fôlego para bancar a industrialização do processo. “Tudo ficou mais fácil. Muitas marcas compram a base de kombucha pronta”, diz Fernando Carvalhaes, que, ao lado de Leonardo Andrade, comanda a Companhia dos Fermentados, produtora em São Paulo.
Para ser um autêntico kombucha, o produto deve ser feito à base de Camellia sinensis, a planta que dá origem aos chás verde, branco e preto. A mistura primeiro é adoçada e depois fermentada por leveduras e bactérias, etapa que resultará na gaseificação. Mas a receita pode ir além, ganhando sabores tropicais, com a inclusão de ingredientes como capim-santo, jabuticaba, maracujá, açaí e frutas vermelhas. Estima-se que atualmente o mercado nacional tenha 270 marcas. “Há mais fabricantes no Brasil do que no Canadá, mas a produção deles ainda é maior”, diz o biólogo Lucas Montanari, da Associação Brasileira de Kombuchas. Em número de rótulos, ficamos em segundo lugar, atrás apenas dos Estados Unidos.
Lá fora, porém, o ramo esbanja criatividade para atrair mais e mais consumidores — inclusive os jovens que preferem uma garrafinha de kombucha à de cerveja. Há shots concentrados, para dar mais energia ou tranquilidade; produtos enriquecidos com fibras e vitaminas; e até versões com canabidiol, substância derivada da maconha que não tem o efeito psicoativo. Com uma legislação que não possibilita tantas extravagâncias, a indústria brasileira se preocupa mais em adaptar a bebida ao gosto do freguês, além de otimizar o processo de produção e logística.
Essa foi a estratégia da Reconexo, marca de kombucha que estreou neste ano. “Um dos ajustes foi atingir o paladar mais popular”, diz o médico Thiago Valette, dono da empresa. O kombucha clássico é mais ácido, propriedade que não agrada a tanta gente. Por isso, a marca decidiu optar pelo sabor adocicado. Outra mudança está na estabilidade química do preparo, que agora pode ser conservado fora da geladeira. Ora, o kombucha é muito sensível à variação de temperatura e, geralmente, tem validade de apenas quinze dias sob refrigeração. Por último, a equipe de Valette preferiu a lata de alumínio ao vidro para envasar. O motivo: a embalagem facilita o transporte e a estocagem, além de ser o material mais reciclado no país.
A movimentação de investidores em torno do soft drink tem a ver com uma transformação no perfil do consumidor, cada vez mais preocupado com o bem-estar físico e mental. Quase metade dos brasileiros (46%) busca manter um cardápio balanceado, de acordo com o último Panorama do Consumo de Alimentos Saudáveis no Brasil. Nessa direção, nosso setor de produtos naturais movimenta, em média, 35 bilhões de dólares ao ano — somos o quarto maior mercado do planeta. Até os gigantes da indústria alimentícia estão atentos às mudanças e procurando se adaptar. A Coca-Cola, por exemplo, incorporou ao portfólio a marca australiana de kombuchas Mojo.
Fato é que o público que tem trocado refrigerantes por produtos com apelo mais natural e saudável só aumenta. Faz parte dele a apresentadora e cineasta Marina Person, de 55 anos. Ela experimentou kombucha pela primeira vez na França e gostou tanto que, de volta ao Brasil, se inscreveu num curso para aprender a receita. “É uma bebida com probióticos, que ajudam no equilíbrio do intestino”, diz. Marina pegou tanto o jeito que hoje divide o scoby, o mix de microrganismos responsáveis pela fermentação, com os amigos. E não falta gente que queira embarcar nessa. Saúde.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910