Entenda por que o terroir de Mendoza vem sendo reconhecido no mundo
A uva Malbec, celebrada em 17 de abril, é o destaque da região argentina, mas vinhos produzidos com outras variedades também chamam a atenção dos críticos
Nenhuma outra variedade de uva – e os vinhos produzidos com ela – ficou tão associada a um único país quanto a Malbec com a Argentina. Embora seja originária da França, onde até hoje é muito utilizada nos rótulos da região de Cahors, foi em solo argentino que encontrou as condições ideais para se expressar de distintas formas. Não à toa, nesta quarta-feira, 17, é celebrado o Dia Internacional da Malbec. É uma oportunidade de comemorar abrindo um bom vinho argentino, mas também de entender o que torna o terroir argentino tão especial para essa variedade. E também para outras, que já chamam a atenção da crítica internacional.
Na Argentina, a Malbec ocupa 45 mil hectares, em vinhedos espalhados de norte a sul. A região mais importante, sem dúvida, é Mendoza. Mas há grandes rótulos produzidos na Patagônia, uma região mais fria, ao sul, ou em Salta, no noroeste. Há cerca de 50 anos era a variedade mais plantada, de longe. Mas perdeu espaço para a Bonarda, de maior rendimento, usada para vinhos tradicionalmente mais simples. Há alguns anos, o movimento foi contrário. Vinhedos de Bonarda estão sendo substituídos por outros, de Malbec.
Em visita ao país para participar de uma série de eventos relacionados à nova edição do Guia Descorchados, o enólogo Alejandro Vigil, da Bodega Catena Zapata e El Enemigo, afirmou que a Malbec é uma uva muito transparente ao terroir em que é cultivada. E a região de Mendoza tem uma diversidade enorme de condições climáticas e solos, tudo por causa da Cordilheira dos Andes. Segundo ele, não é possível colocar todos os vinhos feitos com a uva na mesma categoria só porque todos são mendocinos, por exemplo. “Não faz sentido nem mesmo falar sobre malbec de Gualtallary (uma das regiões produtoras de Mendoza), já que há tanta variedade dentro desse espaço geográfico”, afirma Vigil.
“Temos alturas distintas, solos distintos, com exposições ao sol e clima completamente diferentes”, diz o enólogo. Em uma faixa de cerca de 16 quilômetros, por exemplo, é possível encontrar um perfis climáticos semelhantes a Napa, na Califórnia, à Toscana, na Itália, e a Champagne, na França. “No alto, temos frio, com solos de pedra. Mais embaixo, temos calor e solos de argila, que retém a água. A natureza é a chave de Mendoza”, conta Vigil. A Malbec, claro, se destaca em alguns locais, e há parcelas específicas de vinhedos únicos que oferecem resultados de enorme qualidade, como os dois rótulos que receberam 100 pontos no Guia Descorchados 2024, o mais importante da América do Sul.
A diversidade climática, no entanto, faz com que outras variedades despontem em qualidade. Há, por exemplo, White Bones e White Stones, dois rótulos elaborados por Vigil para a Catena Zapata com uvas Chardonnay de parcelas diferentes do vinhedo Adrianna, em Gualtallary. “Quando dissemos que íamos produzir vinhos de chardonnay para competir com os grandes brancos da Borgonha, na França, riam de nós e diziam que era impossível. Mas isso é a melhor coisa que pode acontecer, porque podemos provar que é, sim, possível”, diz Vigil.
Outro projeto interessante é o que o enólogo faz com a uva Bonarda. Em 2008, ele começou a trabalhar com produtores da região mais quente de Mendoza que tinham vinhedos com mais de 80 anos de idade. A partir daí, lançou um rótulo de Bonarda com seu projeto pessoal, El Enemigo. Agora, apresenta uma linha com quatro rótulos diferentes, cada um de um vinhedo diferente: El Mirador, La Esperanza, El Barranco e Los Paraísos. Cada um tem um perfil sensorial distinto. Juntos, mostram as possibilidades da Bonarda, uma uva que raramente é levada a sério. Na Argentina, esses vinhos são vendidos apenas em alguns restaurantes. Mas serão comercializados no varejo com exclusividade no Brasil. A importação dos rótulos de El Enemigo e Catena Zapata é feita pela Mistral.
“Costumamos dizer que nosso objetivo é engarrafar a paisagem“, afirma Vigil. “Mas a interpretação dessa paisagem pode ser mais kitsch e barroca, ou mais direta e límpida”.