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Depois do sucesso dos ingredientes amazônicos, a hora é dos frutos do Cerrado

Eles encantam os cientistas pela riqueza nutricional e perspectivas de uso pela indústria

Por Victória Ribeiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 set 2025, 08h00

Houve a mania do açaí, a febre da castanha-do-pará e a popularização do guaraná em pó, o energético natural. Após o boom da Amazônia, quem pede passagem são os frutos do Cerrado. Não com o tamanho estrondoso e o marketing associados à maior floresta do planeta, mas na base mais discreta e silenciosa de sua paisagem, cheia de árvores de “corpo torto”, como registrou o escritor mineiro Guimarães Rosa. Pois é desse chão, marcado por veredas de buritis e chapadões áridos, estendidos por mais de 2 milhões de quilômetros entre Goiás e Maranhão, que brotam frutos singulares, redutos de sabores e nutrientes que começam a encantar laboratórios de pesquisa e a indústria alimentícia.

Justamente em um momento em que os holofotes ambientais são direcionados a esse bioma, um dos mais destruídos nos últimos anos, um grupo de cientistas decidiu investigar sete joias da “savana brasileira”. São frutos pouco conhecidos fora da região, mas que surpreenderam até os estudiosos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pelo conteúdo nutricional. Abacaxi-do-cerrado, angelim-­rasteiro, araçá-do-campo, araticum, caraguatá, lobeira e o mais famoso dessas paragens: o pequi.

A escolha do elenco tem origem curiosa: foi inspirada nos hábitos alimentares do lobo-guará. Metade da dieta desse mamífero onívoro, habitante do Cerrado e ameaçado de extinção, é composta de frutos. “Isso despertou nossa curiosidade sobre a composição desses alimentos. Se tinham um valor para os lobos, por que não teriam para nós, humanos?”, diz o biólogo Renato D’Elia Feliciano, um dos autores do trabalho.

A pesquisa analisou o conteúdo de proteínas, carboidratos e gorduras dessas espécies da flora local e descobriu um baú de tesouros. Destaque para o aporte proteico. “Esses frutos têm níveis de proteína muito altos, superando, em alguns casos, as frutas de mercado, como bananas, maçãs e abacates”, afirma Feliciano. O abacaxi-do-cerrado, o angelim-rasteiro e a lobeira — que, não por acaso, leva o nome em homenagem ao seu maior consumidor, o lobo-guará — provaram-se grandes fontes do nutriente essencial para a manutenção dos músculos, hoje incorporado em tudo que é produto de prateleira (de iogurtes a barras de cereal). Outros representantes do pedaço, como o araçá-do-campo, o araticum e o caraguatá, sobressaíram na oferta de carboidratos, sinônimo de energia e disposição.

arte frutos

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Para a nutricionista e pesquisadora Maria Carolina Mesquita, da Universidade de Brasília (UnB), o que também impressiona nos frutos nativos da região cortada pelo Rio São Francisco é a abundância de compostos bioativos com ação antioxidante, anti-inflamatória e até antibacteriana, algo que a ciência já vem sinalizando em outros experimentos. “Pesquisas iniciais, realizadas em células, mostram que eles protegem contra o estresse oxidativo, responsável pelo surgimento de várias doenças crônicas”, afirma. Além dos benefícios à saúde, esses alimentos, muitos deles consumidos de forma sazonal no Cerrado, chamam a atenção pelo sabor peculiar. Guardam aromas e texturas sui generis, que tornam a experiência à mesa única. “Não são chamados ‘exóticos’ por serem impalatáveis, mas por sua singularidade sensorial”, diz Mesquita.

Essa singularidade também se reflete na versatilidade culinária. Os frutos podem ser degustados frescos ou transformados em sucos, geleias, chutneys, molhos, sorvetes, bolos e fermentados, segundo testes realizados pela professora Tânia Castro, da Universidade Federal de Goiás (UFG). O pequi, conhecido como o “ouro do Cerrado”, talvez seja o exemplo mais emblemático: enriquece a tradicional galinhada, mas também costuma virar óleos e licores. Assim como outros frutos do bioma, sua polpa pode ser congelada ou desidratada, garantindo que nutrientes e aromas se preservem fora da estação. “Muitas vezes, o maior valor nutricional está na casca ou na semente, que não devem ser desperdiçados”, orienta Castro.

Tendo em conta toda essa riqueza, o mercado começou a tirar proveito de seu potencial. Hoje, não é difícil encontrar produtos que contam com frutos do Cerrado na lista de ingredientes. É o caso da castanha de baru — cujo óleo ganhou o apelido de “ouro líquido” — e do pó de buriti, extraído da palmeira do buritizeiro. São produtos processados, muitas vezes distantes da experiência do fruto fresco, mas que prometem entregar parte de seu valor nutricional em potes ou pacotes. “Por um lado, há uma valorização da biodiversidade e maior visibilidade desses alimentos. Por outro, o marketing associado a esses produtos pode gerar uma espécie de ‘greenwashing’, vendendo algo que na prática não cumpre o que promete”, pondera Feliciano.

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Para incentivar o manejo sustentável dos frutos nativos desse bioma, o governo sancionou em janeiro deste ano a Política Nacional para o Manejo Sustentável de Produtos Nativos do Cerrado. A norma vale para todos os representantes típicos da região, mas dá maior visibilidade ao pequi — a derrubada das árvores está proibida e só é liberada mediante autorização de órgãos competentes. “A nova lei valoriza o manejo sustentável feito pelas comunidades tradicionais, que detêm o maior conhecimento sobre esses frutos — e, ao mesmo tempo, reforça a preservação da biodiversidade e o reconhecimento de seu papel socioambiental”, diz o pesquisador da UFSCar. Valorizar os tesouros desse pedaço do Brasil é valorizar a natureza, sabores e saberes com séculos de história — e abrir caminho a descobertas científicas e possibilidades gastronômicas. Se o sertão é do tamanho do mundo, como anotou Guimarães Rosa, as veredas do Cerrado mostram, do seu jeitinho, que há um universo todo a explorar e respeitar.

Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2025, edição nº 2961

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