Cozinha de balcão: interação com chefs é tendência na gastronomia
Não basta saber que há um grande nome assinando o menu. A experiência de sucesso, agora, é assistir à elaboração dos pratos
Em um tempo, o nosso, em que a vida é transmitida em tempo real pela tela do celular, caíram os véus de quaisquer bastidores. As experiências antes relegadas à coxia crescem e aparecem postadas nas redes sociais. E, para que sejam compartilhadas, é natural, exigem esmero. No universo da gastronomia, sobretudo, a cozinha saiu das sombras para ganhar o palco logo à frente dos comensais — e dali se espalhar virtualmente. É a reinvenção, com direito à presença de chefs renomados, da comida de balcão de antigamente. Muito além de oferecer o aroma e o sabor dos pratos recém-saídos das mãos do cozinheiro, a tendência leva casas reputadas a pôr suas estrelas para apresentar ingredientes, modos de preparo, truques e ainda tirar dúvidas com os clientes.
Trata-se, portanto, de mãos dadas com a internet, do novo tempo de um canto que servia apenas para esperar um lugar à mesa de restaurantes lotados. Agora é lá que ocorre toda a experiência, frente a frente com o forno e o fogão. É fenômeno global que se fortalece no Brasil. “No começo foi muito difícil”, diz Alberto Landgraf, chef do Oteque, restaurante de comida contemporânea brasileira no Rio de Janeiro, com duas estrelas Michelin e um dos cinquenta melhores do mundo. “Tive que fazer terapia para me expor assim e me sentir confortável”, confessa, depois de readaptar o ambiente para responder à demanda de visibilidade.
Hoje, Landgraf não só atende no balcão de quatro lugares no Rio como apostou em um bem maior, com doze banquetas, no Bossa Restaurant, em Londres. Uma das grandes vantagens é conseguir ver e controlar o que acontece diante dos clientes. Situações que teriam passado despercebidas, com profissionais fechados na cozinha, ganham relevância, e salva-se a pátria. “Do balcão, você consegue ver nuances e corrigir uma refeição”, afirma Landgraf. “Nunca mais terei um restaurante em que não possa ver tudo o que está acontecendo.” Como diria o batido mas útil ditado, o olho do dono é que engorda o gado.
Outro atrativo do movimento — tradição que começou na Europa, mas se popularizou no Japão nas últimas décadas — é diretamente ligado à prática do omakase, expressão japonesa que significa “confio em você”. A ideia é confiar no chef, que vai preparar as receitas com os ingredientes mais frescos do dia e só apresentará o menu na hora da refeição. “É uma experiência gastronômica completa, porque você vê tudo que está sendo feito e fala com quem está fazendo ao mesmo tempo”, diz Denis Watanabe, chef do restaurante que leva seu nome em São Paulo. “Tem muita gente com curiosidade sobre os peixes e, na conversa de balcão, acabamos criando laços com os consumidores.” E parece não haver dúvida: os melhores balcões são animados, regados a boa comida, bebida e papo. Pensando nisso, Watanabe criou um segundo espaço no andar superior de seu restaurante com reserva e acolhimento, isolado. “Ali, as pessoas têm a privacidade que não teriam no salão”, diz.
A virada, com o apogeu dos balcões, fez até endereços de longa e respeitada travessia mudarem a arquitetura. O badalado Bocca di Lupo, aclamado italiano em Londres e o moderno A’Nómalo, em Madri, têm uma bancada para chamar de sua. No Brasil, locais tradicionalíssimos, como a pizzaria Seo Basilico, em São Paulo, e o restaurante Lasai, especializado em comida contemporânea, no Rio, passaram por mudanças. O Lasai trocou o sobrado de quarenta lugares em Botafogo por um espaço bem menor e intimista, em Humaitá, onde o chef Rafael Costa e Silva cria suas receitas para até oito pessoas acomodadas em uma divisória mínima com vista privilegiada para a cozinha.
O sucesso do balcão é tamanho que até aulas de culinária estão sendo ministradas dessa forma para amantes da gastronomia observarem, aprenderem e, obviamente, degustarem os pratos na sequência. Um dos mais requisitados na capital paulista é o curso de parrilla do Rincon Escondido, na Vila Madalena, em São Paulo. “Sentar no balcão é uma experiência sensorial, pois, além de acompanhar as entradas e os cortes de carne sendo preparados, ver o fogo e as brasas incandescentes é algo encantador”, diz Alan Edelstein, sócio da casa. Quem sabe faz ao vivo e, pelo visto, quer que outros compartilhem dos momentos de inspiração e habilidade à frente do fogo. Numa experiência que, claro, pode (e deve) ser registrada, publicada e curtida.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851