Cortes de Argentina, Uruguai e EUA ganham espaço no churrasco brasileiro
Tomahawk, denver e ancho aparecem nos cardápios ao lado de picanha, maminha e fraldinha, ampliando e sofisticando o paladar de quem aprecia carne
Não tem erro. Uma visita a um dos novos e descolados restaurantes dedicados ao churrasco nas grandes capitais brasileiras é um festival de ofertas de cortes. Basta uma rápida olhada no menu para perceber a variedade de nomes em inglês ou espanhol, como tomahawk, shoulder, denver, ancho, chorizo, asado de tira e outros, ao lado dos já conhecidos picanha, maminha e fraldinha. O churrasco brasileiro mudou, sob a influência de países com grande tradição de preparo da carne na brasa, e hoje exige do consumidor vasto e cuidadoso conhecimento em torno de ofertas que nem mesmo existiam há cerca de dez anos.
Há, nessa travessia gastronômica, uma interessante história de como o paladar foi sendo moldado, na medida em que a importação ganhava fôlego e as técnicas de fora passaram a ser compreendidas. É difícil precisar o momento exato em que esses cortes começaram a se espalhar. Mas o desenvolvimento do churrasco ajuda a dar pistas relevantes. Por aqui, o hábito de comer carne assada no fogo é quase tão antigo quanto a chegada dos portugueses em terras brasileiras, na Bahia. Foi no Rio Grande do Sul, porém, que a cultura se consolidou. Lá, preparam-se peças grandes em espetos, a uma distância maior do fogo. Nos países vizinhos, como Uruguai e Argentina, a cultura do “assado”, feito em churrasqueiras conhecidas como parrillas, com a carne mais próxima da brasa, é muito mais comum. Aos poucos, esse recurso acabou se popularizando do Sul para o resto do país.
A preferência crescente pela parrilla é quase científica, de manejo. “Há um controle maior do ponto e de como quer preparar a carne”, diz Cristiano Rodrigues, o Chef Cris, que comanda a cozinha das quatro unidades da rede Casa Porteña. Com o equipamento, vieram os cortes favoritos dos países vizinhos, de culinária reputada.
Em um cenário de constante busca por novidades, é natural, em qualquer civilização, que as tendências alimentares mudem. Há algum tempo, o barbecue americano, defumado com madeiras de árvores frutíferas, caiu no gosto do público, mas hoje perdeu espaço e está mais restrito a um nicho. Já cortes de carne como o denver, criado em 2009 em um programa voltado para o desenvolvimento de alternativas mais baratas e saborosas às peças tradicionais, e o tomahawk (leia no quadro), ambos dos Estados Unidos, têm conquistando espaço crescente em restaurantes mais modernos, de apelo internacional.
É o caso do Beefbar, rede internacional com sede em Mônaco e unidades na Europa, no Oriente Médio, na Ásia e nas Américas. “Nossa intenção sempre foi trazer cortes novos que o público não está acostumado a encontrar com facilidade”, diz Diego Porto, chef responsável pela filial brasileira, em São Paulo. “O paladar do brasileiro tem mudado nos últimos anos e as pessoas não querem só o filé-mignon de sempre.” No cardápio, os clientes podem escolher a procedência da carne, entre opções nacionais, uruguaias, australianas e americanas.
No novo mundo do churrasco, é preciso conhecer também outras inovações de preparo. É o caso das carnes dry aged, termo que faz referência a um processo de maturação controlada em condições específicas de temperatura, umidade e circulação de ar. Com o tempo, a carne perde umidade, fica mais macia e com sabor concentrado. Ou ainda o wagyu, nome usado para se referir a qualquer uma das quatro raças de gado de corte japonesas conhecidas pela alta qualidade e pelo marmoreio (a gordura intramuscular) da carne. A criação dos bois segue regras específicas de dieta e cuidados. São dois exemplos de produtos que custam caro, mas já fazem parte do vocabulário de churrasqueiros e consumidores. A carne dry aged é encontrada em supermercados, guardada em vitrines transparentes que mostram a evolução do bife, cada vez mais escuro. E o wagyu, importado a preço de ouro — um chorizo de 600 gramas custa 800 reais —, é vendido em empórios selecionados.
É claro que toda essa influência passa por um filtro bem brasileiro. Os acompanhamentos estrangeiros, como as batatas, muito comuns na Argentina, dão lugar ao arroz biro-biro e à farofa. O chimichurri divide espaço na mesa com o vinagrete. E, assim, as churrascarias no modelo rodízio vão ficando para trás. A moda, hoje, é levar à mesa do cliente uma reunião dos melhores cortes disponíveis. Olhe para o lado: o ancho aparece acompanhado da linguiça calabresa e o tomahawk dá as mãos à picanha. Apesar do sotaque internacional, o churrasco segue como brava instituição brasileira. Só que seu vocabulário ficou mais amplo e diversificado. A carne é forte.
Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897