Quando as primeiras startups de carnes produzidas a partir de plantas surgiram, há quase uma década, a promessa era ambiciosa: resolver o problema da alimentação do planeta com a oferta de produtos saudáveis, menos agressivos para o meio ambiente e tão saborosos quanto a proteína animal de verdade. Algumas prometiam até replicar a textura da carne e o “sangue”, feito com beterraba. Para os investidores, a ideia era um prato cheio, e muito dinheiro foi injetado no setor. A americana Impossible Foods, que liderou o movimento, recebeu quase 2 bilhões de dólares, e depois vieram no seu encalço empresas que produziam de tudo — de hambúrgueres a frangos veganos. Uma delas, a NotCo, chegou a receber investimentos de Jeff Bezos, fundador da Amazon, e se transformou em um unicórnio avaliado em mais de 1 bilhão de dólares. Agora, contudo, a fome pela novidade parece ter sido saciada.
Há alguns dias, a Beyond Meat, outra precursora das proteínas plant-based, como são chamadas, divulgou um balanço famélico, e suas ações despencaram. Atualmente, elas são negociadas a cerca de 16 dólares, apenas uma fração dos 109 dólares que já alcançaram. Como resultado, a empresa lançou um agressivo plano de corte de custos, que levou à demissão de 200 funcionários, ou 20% de sua força de trabalho. O desempenho ruim se deve diretamente à queda do consumo. Nos Estados Unidos, a compra de itens plant-based caiu 10,5% em um ano, o que levou consultorias a rever suas projeções de crescimento para o setor. O movimento vegano, que parecia irrefreável, está em crise.
Diversos fatores explicam o fenômeno. Esses produtos já foram vendidos como uma solução para os vegetarianos e veganos, que poderiam comer um alimento semelhante a carne, mas feito de plantas. Tal parcela da população, no entanto, ainda é pequena, o que tornou o apelo limitado. Depois, as startups passaram a mostrar as alternativas como opções saudáveis para os chamados flexitarianos, os carnívoros dispostos a reduzir o consumo de carne. O problema é que, por enquanto, a lista de ingredientes usados na produção consiste de componentes químicos — o discurso, portanto, não bate com a realidade.
O mercado também foi inundado por opções semelhantes, e a variedade provoca confusão. Aos poucos, a curiosidade em provar a novidade vai minguando. “Há um certo comodismo dos fabricantes de não querer educar e falar sobre o produto que vão vender”, afirma Lorena Coimbra, fundadora da Foodtech Consultoria, especializada no setor de alimentos. “A história da alimentação é criada a partir de preferências, afetividades e memórias. Há pouco tempo, não havia nada similar às proteínas plant-based, e é preciso trazer algo dessa afetividade para atrair o consumidor.” Existe outro agravante: o preço. Na maior parte dos casos, as versões de plantas são mais caras. Isso é compreensível do ponto de vista de produção, mas para o consumidor o que importa muitas vezes é quanto aquele produto pesa no bolso. Em um cenário de inflação dos alimentos, fenômeno muito sério no Brasil, mas enfrentado também por americanos e europeus, a carne animal leva vantagem.
Embora o momento exija atenção, o potencial do mercado é inegável. Analistas afirmam que a produção de proteínas de plantas pode, sim, ajudar a alimentar uma população em constante crescimento. Além disso, há o interesse dos consumidores em reduzir a ingestão de carne. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos pela empresa de inteligência de dados Morning Consult mostra que um terço dos americanos está fazendo esforços para mudar a alimentação. O segredo pode ser criar produtos realmente inovadores, e não apenas cópias vegetais de hambúrgueres e nuggets.
Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815