DOHA – A seleção brasileira viajou ao Catar sonhando com o hexacampeonato, mas deixou o Oriente Médio neste sábado, 10, com outra marca histórica, esta um tanto incômoda: o recorde de eliminações nas quartas de final da Copa do Mundo, seis ao todo (1954, 1986, 2006, 2010, 2018 e 2022), empatado com a Inglaterra, que pode retomar a liderança isolada caso perca nesta noite para a França. A derrota nos pênaltis para a Croácia deixou um gosto especialmente amargo em razão do gol sofrido no fim da prorrogação. Um fracasso desta magnitude, no entanto, jamais poderia ser resumida a uma única ação. Ainda que o desvio na perna de Marquinhos no gol de Petkovic seja um lance de rara infelicidade, o futebol nos ensina que a bola jamais entra ou deixa de entrar por acaso. VEJA enumera os erros que ajudam a explicar o resultado. O hexa terá de esperar, no mínimo, até 2026.
1 – Um apagão defensivo inexplicável
A cada replay fica mais difícil compreender o lance que entrará para a história. Faltavam apenas cinco minutos para acabar a prorrogação e o Brasil, ainda eufórico com o golaço de Neymar, pareceu mais interessado em chegar ao segundo do que evitar o empate. O gol de Petkovic nasce de uma tentativa do Brasil de pressionar a Croácia em sua defesa, o tão falado “perde-pressiona”. Fred, que entrara justamente para reforçar o meio, foi quem deu o primeiro combate. No bate-rebate, provavelmente preocupado com o risco de receber um vermelho que o tiraria da semifinal, pois já tinha amarelo, Casemiro não matou a jogada e deixou o genial Modric girar. De forma inacreditável, o Brasil manteve sete atletas em seu campo de ataque, todos voltando lentamente para marcar, como se o jogo estivesse resolvido. Foi uma falta de concentração e malandragem coletiva assustadora. Ironicamente, nos dias anteriores, diversos atletas disseram que era preciso “estar atento durante os 100 minutos, não apenas 90”, já que os acréscimos da Copa estão mais longos. Entre o discurso e a prática, houve uma longa distância.
Reação do Neymar falando com o Fred no gol de empate da Croácia
"Não tem necessidade de você subir vei, tem que ficar aqui. Tava 1×0, falta 5 min." pic.twitter.com/lSV5fgFo8u
— Paris da Depressão (@parisdadepre) December 10, 2022
2 – A ordem das penalidades
Outro erro claríssimo cometido nos momentos-chave da eliminação foi a escolha da ordem dos batedores. O Brasil foi derrotado sem que seu melhor batedor, Neymar, que tem 21 gols da marca da cal pela seleção, pudesse chutar, pois era o quinto e último. No jogo da Argentina contra a Holanda, por exemplo, Lionel Messi foi o primeiro a bater. Luka Modric foi o terceiro da Croácia. O primeiro do Brasil foi Rodrygo, de 21 anos, que assim como Marquinhos falhou a sua cobrança. Após a partida, Tite se disse “em paz” e explicou seus motivos. “Porque ele (Neymar) é o quinto e decisivo pênalti, fica com pressão maior e precisa do jogador de mais qualidade, mentalmente mais forte para fazer a ultima cobrança. É isso.”
3 – Daniel Alves ‘pandeirista’?
O próprio veterano brincou sobre as críticas que recebeu sobre ter sido convocado apenas para comandar o pagode do elenco. “Se for para tocar pandeiro, serei o melhor pandeirista”, disse Daniel Alves, de 39 anos, que diante de Camarões bateu o recorde como atleta mais velho a vestir a camisa do Brasil numa Copa. Sua convocação foi a mais contestada não só por sua idade, mas pelo fato de o maior vencedor da história do futebol ter passado os últimos meses em má fase física e técnica, atuando pelo Pumas, do México. Sempre houve a suspeita de que Tite não confiaria em Daniel em um eventual aperto e foi justamente o que ocorreu diante da Croácia. Na prorrogação, com Militão baleado, ele preferiu por Alex Sandro (que se recuperava de lesão no quadril) na esquerda e passar Danilo, também visivelmente cansado, para a direita, em vez de apostar no nome mais experiente do elenco. Este, por sinal, é um erro que se repete em Copas: o de convocar atletas apenas para compor elenco. Foi assim com Taison em 2018, com o zagueiro Henrique, em 2014, e com Grafite em 2010, só para ficar nas últimas decepções.
4 – Muita fumaça, pouca bola na rede
Antes da Copa, Tite fazia questão de exaltar os “perninhas rápidas”, os atletas jovens que deram maior frescor e criatividade ao ataque, como Antony, Raphinha, Martinelli, Rodrygo e Vinicius Junior. De fato, eles foram a novidade que renovou as esperanças do hexa, mas todos eles deixaram a desejar no quesito pontaria. O Brasil se despediu do Mundial com 90 finalizações, sendo 41 na meta, e apenas oito gols marcados em cinco jogos, segundo dados da Fifa. Dos pontas, só Vini Jr balançou as redes, uma vez, na goleada contra a Coreia. Alçado à condição de titular absoluto do lado direito, Raphinha foi quem mais decepcionou. Só fez uma apresentação realmente boa, diante dos sul-coreanos, e pecou demais nas conclusões.
5 – Convocação desequilibrada
Pela primeira vez na história dos Mundiais, a Fifa permitiu a inclusão de 26 atletas, três a mais do que era habitual. Tite optou por preencher todas estas vagas com atacantes, uma decisão da qual certamente se arrepende. O treinador teve azar de três de seus quatro laterais (Danilo, Alex Sandro e Alex Telles) machucarem ao mesmo tempo, mas poderia ter investido mais em defensores. Além disso, o vacilo na prorrogação e a falta de calma em certos momentos pode ter sido causada pela extrema juventude do ataque. Na lista final, Tite abriu mão de Roberto Firmino, de 30 anos, ídolo do Liverpool com três finais de Liga dos Campeões disputadas, para dar lugar ao novato Martinelli, do Arsenal. Versátil e experiente, Firmino poderia ter sido o substituto ideal para Neymar, que, mais uma vez, enfrentou problemas físicos.
6 – Bola parada inexistente
Mais uma constatação que, inevitavelmente, vai para a conta da comissão técnica, além, claro, dos atletas. Numa Copa em que a Holanda de Van Gaal apresentou uma jogada ensaiada memorável na eliminação para a Argentina, entre tantos outros tentos de bola parada, o Brasil foi nulo no quesito. Em todos os jogos, foram diversas batidas de escanteio muito baixas ou sem a direção correta. Nem mesmo a bola de primeiro pau para Marquinhos ou Thiago Silva, uma arma importante ao longo dos últimos seis anos, funcionou. Faltou repertório.