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Guga 20 anos: Na base do grito, uma vitória épica sobre Muster

Diante do austríaco, campeão de Roland Garros em 1995, catarinense chega a dar o jogo por perdido, mas é salvo da derrota por uma bronca do irmão

Por Alexandre Salvador e Mateus Silva Alves
Atualizado em 30 jul 2020, 20h44 - Publicado em 30 Maio 2017, 09h16
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  • Depois de vencer dois jogos seguidos em um Grand Slam pela primeira vez, Gustavo Kuerten deparou-se com um obstáculo gigantesco na terceira rodada: Thomas Muster, campeão de Roland Garros em 1995, quando era chamado mundo afora de “rei do saibro”. Quinto colocado do ranking mundial – chegou a ser o líder em 1996 –, o austríaco não estava em sua melhor fase quando enfrentou o catarinense, mas, ainda assim, sua fama era capaz de intimidar um jogador com pouca experiência na elite do tênis.

    O jogo entre o famoso campeão e o audacioso novato foi uma batalha em cinco sets, vencida pelo azarão. Que quase desistiu da luta no quinto set, quando perdia por 3 games a 0, o que só não ocorreu porque Rafael, seu irmão, decidiu tomar uma providência e empurrou Guga adiante na base do grito. Nessa partida, o brasileiro escutou na quadra 1 de Roland Garros – conhecida como Cemitério de Campeões pela grande quantidade de zebras que lá ocorreram – um grito que o acompanharia pelos anos seguintes em Paris: “Allez, Guga!” (“Vai, Guga!”, em francês).

    Gustavo Kuerten em Roland Garros (1997)
    Guga em lance do jogo contra Thomas Muster (Bildbyran/Zuma Press/Dedoc)

    O jogo – A partida contra Muster apresentou a Guga um nível de desgaste físico que ele não conhecia. Ao fim do primeiro set, vencido pelo austríaco no tie-break, o catarinense estava exausto, e ainda havia muito a jogar. Para sua sorte, Muster também já estava bastante desgastado. Os dois sets seguintes tiveram vitória brasileira, com momentos sublimes de Guga, a ponto de o austríaco desabafar em bom alemão: “O que é isso? Estou jogando meu melhor tênis e esse garoto está me matando! Quem é ele? Um gênio?”. Apesar disso, o europeu tirou forças não se sabe de onde para ganhar a quarta parcial e prolongar a batalha.

    Veja os melhores momentos da partida e o abraço de Guga no irmão, Rafael:

    No começo do quinto set, Muster elevou ainda mais seu jogo e abriu 3 a 0. Naquele momento, Guga achou que não teria mais de onde tirar energias e desabafou em voz alta: “Não aguento mais, pra mim chega, não consigo”. E foi aí que o normalmente calmo Rafael Kuerten perdeu a compostura: “Eu sou muito contido, mas quando ouvi aquilo não aguentei. Gritei pra ele: ‘Como assim, vai desistir? Você chegou até aqui para desistir? Nada disso, vamos lá!’”.

    Revigorado pela bronca, Guga logo reagiu e empatou o set. Quando a parcial estava 4 a 4, obteve a quebra de saque que se mostrou decisiva, pois conseguiu controlar os nervos para confirmar seu serviço na sequência e conquistar a maior vitória de sua carreira até então.

    Ouça os detalhes do jogo, na voz do técnico Larri Passos:

    Durante o quinto set, o carismático garotão com pinta de surfista conquistou a simpatia da torcida francesa – cerca de oito mil pessoas lotaram a quadra 1 – e ouviu pela primeira vez o “Allez, Guga!”. Nessa partida contra Muster, o brasileiro inventou, meio no improviso, um novo jeito de jogar no saibro. Ao invés de bater com muita força na bola o tempo todo, como era seu estilo até então, decidiu seguir um antigo conselho de Larri Passos e alternou as pancadas com bolas mais anguladas e curtinhas certeiras, deixando o adversário desconcertado. E esse estilo inovador se mostraria muito útil nas batalhas seguintes pelas quadras de Roland Garros.

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    Com a palavra, o campeão:

    Apesar de momentaneamente destruído, preparo físico eu tinha. Além disso, havia minha esquerda cruzada, arma que me ajudaria demais nesse jogo e, mais tarde, ao longo dos anos, me consagraria. Haveria ainda outro trunfo, uma arma reserva que até então eu ainda não sabia manejar direito. Larri já tinha exposto a teoria centenas de vezes, mas foi só ali, na partida contra Muster, que a tese ficou clara na prática. Até então, para mim, jogar bem era mandar porrada em 100% do tempo, do início ao fim. Larri dizia que eu precisava mudar isso. Tinha que aprender a me poupar. Em vez de fazer força o tempo todo, sem pausa, tinha também que pensar com sutileza, colocar efeito, deslocar, dar golpes que, combinados com os torpedos, pudessem levar o adversário à loucura.

    Nasceria ali, no aprimoramento dessa combinação de opostos, um novo estilo de jogar no saibro. Até então, ou o jogador soltava o braço, ou era mais conservador, administrando a partida e colocando os golpes. As duas coisas somadas no mesmo tenista eram uma novidade naquele momento, uma técnica mais agressiva que veio à tona num instante de pura necessidade.

    Trecho extraído da autobiografia Guga – Um Brasileiro (Sextante)

    Que fim levou? – Thomas Muster conquistou seu único título de Grand Slam, em Roland Garros, em 1995. No ano seguinte, chegou à liderança do ranking mundial graças principalmente às suas vitórias no saibro. O austríaco abandonou a carreira em 1999 e em 2010, aos 42 anos, voltou ao circuito, tendo disputado alguns torneios da ATP, sem sucesso. Em um deles, em Viena, em 2011, enfrentou e foi derrotado pelo compatriota Dominic Thiem, na época com 18 anos, atualmente um dos melhores jogadores do mundo. Muster hoje é empresário.

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