No dia 8 de junho de 1997, Gustavo Kuerten tocou o céu com as mãos, como dizem os argentinos, quando conquistou o inédito título de Roland Garros para o tênis brasileiro. Uma façanha inacreditável para um jovem de 20 anos que, até então, não tinha resultados expressivos na carreira e entrou no torneio na condição de completo desconhecido (e que precisou pagar muitos pecados antes de finalmente atingir o sonho).
Nesta sexta-feira, dia em que se completam duas décadas da estreia de Guga naquela campanha inesquecível no Aberto da França, VEJA.com dá início a uma série de reportagens que vai celebrar uma das maiores conquistas do esporte brasileiro. Ao longo dos próximos 15 dias, a história de cada jogo será recordada em detalhes, seguindo sempre a data original da partida, até o dia daquela final histórica em Paris. Mas, antes de mergulhar nos sete confrontos que mudaram a vida do catarinense – e deram ao Brasil um novo ídolo –, vale a pena lembrar os últimos passos que conduziram Gustavo Kuerten ao seu primeiro grande momento na carreira.
Antes do relato do primeiro jogo, contra o checo Slava Dosedel, confira abaixo uma breve contextualização de como Guga vinha desempenhando naquele ano.
A pausa estratégica em Curitiba – O ano de 1997 começou promissor para Guga. Aos 20 anos, o catarinense venceu no início da temporada o sul-africano Wayne Ferreira, na época entre os dez primeiros do ranking mundial, e a lenda americana Andre Agassi. Quando chegou a hora da turnê europeia no saibro, seu piso preferido, Guga tinha motivos para estar otimista, mas deu tudo errado. Foram tantas as derrotas que ele mudou os planos e decidiu fazer um retorno de emergência ao Brasil, para esfriar a cabeça, antes de Roland Garros.
Já que ele e seu técnico, Larri Passos, estavam por aqui, resolveram disputar um torneio modesto, de nível Challenger (para tenistas de nível intermediário), a Embratel Cup, em Curitiba. Foi uma bênção. “Achamos estranho quando ele voltou da Europa, até porque era caro, mas ele estava com a convicção de que precisava voltar ao Brasil para pegar uma energia boa”, recorda Rafael Kuerten, irmão do ex-tenista. “Aí, em Curitiba, ele foi ganhando e ganhando, até que venceu o torneio. E o que era receio se transformou em confiança.”
Embora o torneio de Curitiba fosse pequeno – o título deu a Guga 7 500 dólares, 1% do que ele viria a receber ao ganhar Roland Garros –, as cinco vitórias no Graciosa Country Club jogaram o moral do catarinense lá para o alto. Na semifinal, ele bateu Roberto Jábali em um jogo duríssimo, vencido em dois tie-breaks. Na decisão, o romeno Razvan Sabau, derrotado por 2 a 1, foi a vítima do jogo agressivo, dos saques certeiros e da demolidora esquerda que o mundo começou a conhecer menos de duas semanas depois.
Com a palavra, o campeão:
Fazia tempo que não perdia tantos jogos seguidos. Naquele ano, a temporada europeia não estava funcionando. A gente precisava de um plano B. Ou até de plano nenhum. “Calma Cavalo, ainda vai vir o que a gente está buscando. O jogo tá aí, tu só precisa de calma.” As palavras de Larri pareciam fazer mais sentido do que nunca. Então, depois de Hamburgo, numa decisão mais intuitiva do que racional, ele e eu desistimos do torneio de Roma. Pegamos um avião para casa, para matar a saudade da família, descansar e rever os amigos.
Essa pausa me fez um bem danado. Me senti revigorado. O desânimo passou, mudei de sintonia. Me deu uma vontade louca de entrar na quadra para repetir os melhores momentos do começo do ano e depois seguir para o próximo estágio. Aproveitando que a gente estava no Brasil, decidimos jogar o challenger de Curitiba, um torneio pequeno que tinha a premiação de uns 8 mil dólares para o campeão.
Trecho extraído da autobiografia Guga – Um Brasileiro (Sextante)