Sempre fui apaixonado por futebol. Tudo relacionado ao esporte me fascinava, do jogo de botão ao videogame. Como quase toda criança, meu sonho era ser jogador. Até que fui longe: cheguei a treinar no sub-17 do Fortaleza, mas meus pais queriam que eu estudasse. Como sempre tive perfil de liderança, escolhi prestar administração de empresas. Anos depois, dirigir o meu time do coração foi o encontro da paixão com a vocação.
Como torcedor, acompanhei da arquibancada os oito anos consecutivos que disputamos a terceira divisão. Foi um período terrível. Eu não suportava ver o Fortaleza ser chacota de rivais e, por isso, pensei em fazer algo pelo time que amo. Comecei a me aproximar do clube em 2014, ainda na terceira divisão. Em 2015, assumi meu primeiro cargo como diretor de futebol. Em 2017, virei vice-presidente. No fim do ano, me tornei presidente.
Naquela época, o clube tinha um déficit estrutural muito grande. Do vestiário ao campo. Cheguei a participar de uma vaquinha para comprar material de treino, como cone e colete. Os campos não tinham drenagem. A academia, meu Deus do céu, era muito antiga. A sala de preleção, improvisada. O hotel dos jogadores, péssimo. Ao longo da caminhada, tivemos seguidos apuros financeiros, o fluxo de caixa não fechava. Eu mesmo emprestei dinheiro do meu bolso para o clube.
Quando assumi, meu objetivo era apenas que o time saísse da Série C. E olha aonde chegamos: à final da Copa Sul-Americana. O Rogério Ceni, o primeiro treinador que contratei, foi muito importante no processo de profissionalização do futebol. Ele chegou em 2018, o ano de nosso centenário. Dali por diante, começou a entrar um pouco mais de recursos e o torcedor se reaproximou do clube. Tínhamos então 7 500 sócios-torcedores, agora são 42 000. Saímos da Série C, sem cotas de patrocinadores, para a Série A, com cotas de clubes de primeira divisão. Nosso orçamento anual saltou de 24 milhões para 300 milhões de reais. Por isso eu digo que o camisa 10 do Fortaleza é o salário em dia. Aqui, os jogadores sabem que o mês tem trinta dias e que a premiação vai sair direitinho. Isso atrai e retém talentos.
Com essa política, conseguimos dar passos importantes. Vencemos duas Copas do Nordeste, cinco estaduais e fomos para a Libertadores. Mas a vida não é uma linha reta e é claro que existem percalços. No campo esportivo, também passamos por questionamentos após uma sequência complicada de jogos sem ganhar. A própria saída do Ceni, em 2020, foi um momento bem difícil, no meio do campeonato, e sem tempo para contratar jogadores. Sofremos bastante e quase caímos para a segunda divisão.
No ano passado, participamos pela primeira vez da Libertadores, mas não conseguimos conciliar o principal campeonato do continente com o Brasileirão. Para mim, foi muito simbólico. Ficamos vinte rodadas na zona de rebaixamento. Viramos o turno com 15 pontos, na última posição. Até então, todos com essa pontuação tinham sido rebaixados. Muitos pediram a demissão de nosso técnico, o Juan Pablo Vojvoda, mas confiei no trabalho dele — e deu certo. No final, escapamos do rebaixamento. Este é um dos segredos de nossa gestão: continuidade e confiança.
Nas dificuldades, algumas pessoas são cruéis. Fui chamado de desonesto. Até meu filho de 12 anos recebeu ameaças pelas redes sociais. Em certos momentos, pensei em largar o clube. Felizmente, continuei. No final de 2024, quero entregar um clube melhor para o sucessor, saudável financeiramente e com práticas modernas de gestão. A cereja no bolo seria um título internacional, a Copa Sul-Americana. Estou vivendo um sonho. Tudo valeu a pena.
Marcelo Paz em depoimento dado a Pedro Gil
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864