O homem mais rápido do mundo encerrará sua carreira neste sábado, no Campeonato Mundial de Atletismo de Londres, aos 30 anos. À edição de 24 de outubro de 2012 de VEJA, o jamaicano Usain Bolt falou ao editor Alexandre Salvador sobre suas expectativas para a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, incluindo a vontade de conhecer as mulheres brasileiras (nem sequer imagina que se envolveria com a carioca”Jady Bolt”), sobre casos de doping no esporte e até sobre Neymar (achava que o atacante brasileiro, então no Santos, não se daria bem no Barcelona); relembre:
Há alguma coisa mais rápida do que as pernas de Usain Bolt? Sim, o raciocínio de Usain Bolt. A voz grave, em um inglês carregado de sotaque jamaicano, intercala frases curtas com risadas longuíssimas. A autoconfiança pode ser confundida – indevidamente – com arrogância. Há dois meses, depois de responder à última pergunta na entrevistacoletiva realizada após sua vitória nos 200 metros da Olimpíada de Londres, Bolt pediu a palavra aos presentes para disparar, finalmente, a frase tantas vezes ensaiada: “Agora sou uma lenda. Sou também o maior atleta vivo”. Não houve contestação à justa celebração no estilo confrontador de Muhammad Ali. Bolt acabara de se tornar o primeiro atleta a conquistar o bicampeonato olímpico dos 100 e dos 200 metros, as provas mais nobres do atletismo. Depois de curtir um período de férias, Bolt, de 26 anos, acaba de começar a preparação para o próximo ciclo de competições, que deve atingir seu ápice em 2016, durante a disputa da Olimpíada no Rio de Janeiro. Nesta semana, nos dias 23 e 24, ele estará no Rio a convite de seu patrocinador, a fornecedora de material esportivo alemã Puma. Antes de embarcar, falou com exclusividade a VEJA com o bom humor e a iconoclastia de sempre. Sobre sua principal curiosidade em relação ao Brasil, Bolt foi direto ao ponto: “Ouvi dizer que as mulheres do Rio são muito bonitas, estou empolgado para conhecer as garotas brasileiras”.
Antes de suas vitórias nos Jogos de Londres, alguns ex-atletas disseram desconfiar da superioridade jamaicana nas provas de velocidade (na final dos 200 metros masculino em Londres, as medalhas de ouro, prata e bronze ficaram com a Jamaica). Eles insinuaram até que poderia haver uso de doping. Como você responde a esses incrédulos?
Há várias formas de ver essa desconfiança. Ao longo dos anos, o esporte já teve de lidar com várias situações embaraçosas, e isso faz com que as pessoas fiquem pensando se existe algo por trás dos bons resultados. No meu caso não existe. Os maus exemplos infelizmente fizeram esse desserviço ao esporte, e agora nosso trabalho é sair desse buraco. Também há muita inveja no nosso meio, o que dá espaço para comentários maldosos. Mas pessoalmente não me abalo nem um pouco com as insinuações. Meu foco sempre estará no trabalho duro e na dedicação total aos meus objetivos.
As mais recentes revelações sobre Lance Armstrong (ciclista americano dono de sete títulos da Volta da França, acusado de montar um complexo esquema de produção e uso de doping) fizeram a desconfiança aumentar. Qual a sua opinião sobre esse caso?
É triste ver um grande herói do esporte como o Armstrong envolvido em um caso de doping. Tenho esperança de que a modalidade dele consiga se reerguer, mas para isso é preciso que os ciclistas passem a competir de maneira limpa.
Você já correu contra algum atleta que dava a nítida impressão de ter usado alguma substância proibida?
É possível perceber isso? Nunca vi algo do gênero e, honestamente, não reparo em nada desse tipo. Como um atleta de ponta, tenho de estar focado no meu desempenho, na minha prova, em minha própria velocidade. Não posso ficar tentando ver o que se passa com o atleta ao lado. Não dá para ficar criando suposições na cabeça. Tenho de entrar na pista e aproveitar o momento. É simples assim.
E essa história de que a batata-doce é o segredo por trás da velocidade dos atletas jamaicanos (alguns pesquisadores defendem a ideia de que o consumo do alimento desde a adolescência pode melhorar o desempenho de um atleta de ponta por aumentar a produção de testosterona). Isso realmente é verdade?
Olha, já comi muita batata-doce, principalmente quando era criança. Mas não posso dizer que comi porque conhecia alguma evidência científica de que a batata-doce ajuda. Era o que tinha na mesa para comer, não tinha escolha. Pode ter melhorado alguma coisa, é possível, mas a verdade é que comi bastante batata-doce, sim.
Você sempre disse que queria se tornar uma lenda em Londres. Depois de conquistar o bicampeonato olímpico nos 100 e nos 200 metros, você se autoproclamou uma lenda. O que é, enfim, ser uma lenda?
Acho que esse conceito tem a ver com o ineditismo da conquista de Londres. Muita gente não acreditava ser possível defender tantos títulos olímpicos – não só nos 100 e nos 200, mas também no revezamento 4 x 100 com meus companheiros -, e o Usain foi lá e conseguiu esse feito. Isso é o que me distingue dos outros atletas e o que me permite dizer que sou uma lenda do esporte.
Quem está no mesmo patamar que você, como lenda do esporte?
Ser o melhor atleta da minha modalidade e sentir todo esse reconhecimento me fez lembrar de quando era criança e via as pessoas falando dos grandes nomes do esporte. No futebol, falavam muito do Pelé e do Maradona. Lá na Jamaica, também contavam histórias fantásticas dos melhores jogadores de críquete (esporte bastante popular nas ex-colônias inglesas), como Courtney Walsh (capitão da seleção das Índias Ocidentais, da qual a Jamaica faz parte, entre 1993 e 1998). Eu assistia a esses caras na televisão e ficava maravilhado ao ver como eles eram insuperáveis em suas modalidades. Aí comecei a sonhar em ser como eles. Fiz e faço o máximo que posso dentro do meu esporte. É o que me põe em uma posição de destaque, junto a outros caras fantásticos.
Pelé e Maradona, suas referências esportivas na infância, são tema de muita discussão no Brasil e na Argentina. Afinal, quem foi o melhor dos dois jogadores?
Não vou entrar nessa bola dividida, não. Tenho poucas referências para decretar esse resultado.
Hoje, no Brasil, há uma grande nova estrela, o Neymar, medalhista de prata em Londres. Você o conhece?
Claro que conheço. O Neymar é um jogador incrível. Pensava que neste ano ele já estaria jogando na Inglaterra.
Mas, pelo que se fala por aqui, o Neymar não deve ir para a Inglaterra. É bem provável que ele vá para a Espanha. Para o Barcelona ou o Real Madrid.
É mesmo? Não acho que ele deva ir para o Barcelona.
Por que diz isso?
Ele é muito talentoso individualmente, e o Barcelona tem um estilo de jogo de muitos passes. Ele se encaixaria melhor em outro time.
Neymar vem sendo moldado para o futebol desde os 7 anos de idade. Você teve o mesmo tipo de apoio desde a infância?
Comecei a levar a sério o esporte bem mais tarde. Acho que com 16 anos eu fechei contrato com a Puma, quando me tornei um profissional. Antes éramos meu técnico e eu. Hoje tenho uma equipe enorme, que me ajuda muito. Esse staff é fundamental, principalmente na hora das lesões. Já me contundi seriamente, e sem o apoio deles durante minha recuperação acredito que não estaria competindo em alto nível.
Recentemente você encerrou o suspense e confirmou que disputará os Jogos do Rio, em 2016. Por que competir em mais uma Olimpíada, sabendo que já terá 30 anos?
Quero ser o maior de todos. Acho que ir ao Rio e ganhar a terceira medalha de ouro olímpica nos 100 e nos 200 me colocaria, sem dúvida alguma, acima de todos os outros grandes campeões do atletismo. Eu viraria uma lenda ainda maior. Nas próximas semanas, antes de começarem os treinos, vou sentar com meu treinador e decidir qual será a estratégia dos próximos quatro anos.
Como será essa conversa?
Eu confio muito no meu treinador (o jamaicano Glen Mills está com Bolt desde 2004, e foi o grande responsável por convencê-lo a disputar provas de 100 metros), e vamos conversar sobre o que será necessário para conseguir algo tão extraordinário quanto um tricampeonato olímpico. É algo que fazemos antes do início de cada temporada de competições.
Você não acha mais seguro parar enquanto está no topo?
E ficar pensando o resto da minha vida que poderia ter ganhado mais uma? Sem chance. Esse não é o comportamento de um verdadeiro campeão. Quem entra em uma competição com dúvidas sobre si mesmo já entra derrotado. É claro que não posso prever o futuro e garantir que tudo vai dar certo. Mas vou treinar duro, como sempre treinei. É claro que vai ser ainda mais difícil, pois vou estar mais velho, mas e daí? Tenho certeza de que nos próximos anos ainda serei um dos melhores corredores do mundo e, com certeza, vou querer provar isso. Mas se alguém quiser tirar o ouro de mim vai ter de bater o melhor. E, enquanto eu for o melhor, vou querer competir.
E a Olimpíada do Rio será o último ato de Usain Bolt como atleta olímpico?
Sim, a de 2016 será minha última Olimpíada.
O que você pretende fazer depois de se aposentar?
No futuro não me vejo trabalhando como treinador. Creio que poderia atuar como um mentor, ajudando jovens atletas de outras formas além da preparação técnica.
De onde vem essa confiança toda no seu desempenho?
Não sei, acho que desde cedo estou acostumado com as pressões envolvidas em uma corrida. Na Jamaica, temos o Champs (como é mais conhecido o Inter-Secondary Schools Boys and Girls Championships, o principal campeonato interescolar da Jamaica). Essa competição é tão importante para os jamaicanos quanto uma Olimpíada.
Mas o Champs é um campeonato juvenil. Como pode realmente ajudar numa Olimpíada?
Essa experiência prévia serviu porque nela aprendi a controlar os nervos e a lidar com grandes plateias, barulho e outras coisas que podem atrapalhar. Na minha primeira final dos Champs eu estava mais nervoso que na minha primeira final olímpica. Então acho que ser o melhor desde muito cedo ajudou a chegar ao grande momento, como é uma disputa olímpica, e vencer todas as adversidades.
Quão difícil é disputar uma final olímpica dos 100 metros?
Por incrível que pareça, a parte da prova em si é a mais fácil de todas. Os treinos é que são o problema. É quando o trabalho duro prevalece. Na preparação para os últimos Jogos eu relaxei um pouco nos cuidados com as costas (Bolt tem escoliose, uma deformidade na coluna vertebral, e depois dos Jogos de Londres revelou que problemas relativos à doença o tiraram de uma competição em Mônaco, dias antes do início da Olimpíada), o que me trouxe um problema pouco antes da competição. Por isso, o trabalho daqui para a frente tem de ser ainda mais forte.
Quais são as vantagens pessoais de se tornar uma lenda?
É claro que a gente ganha muitas coisas. Em Pequim, meus patrocinadores me perguntaram o que eu gostaria de ganhar e respondi que queria um BMW M3. Ganhei.
Depois da vitória em Londres você ganhou outro carro?
Acabei batendo o BMW, então eles não me ofereceram nada desse calibre depois de Londres. Mas aí fechei outro patrocínio e ganhei um carro dourado, um Nissan GT-R.
Muito se comentou, no mundo inteiro, sobre aquela foto com as jogadoras suecas de handebol (depois da final dos 100 metros, Bolt postou no Twitter uma foto com três atletas da Suécia em seu quarto na Vila Olímpica). O que rolou ali?
Isso acontece com todo mundo que ganha fama, não é uma exclusividade minha. Quando chegamos a esse estágio de reconhecimento, conseguimos as coisas que queremos mais facilmente. Mas o que mais me fascina em ser famoso é o fato de conhecer tanta gente interessante. Melhor ainda quando se tem a oportunidade de conhecer a fundo a pessoa e ter um papo bacana.
E quem foi a última pessoa com que você teve uma conversa interessante?
Há alguns dias conheci o Mark Webber (piloto australiano de Fórmula 1), na minha visita pela Ásia, e foi muito legal. Sou um apaixonado por carros e fiquei perguntando coisas como quão rápido é um carro de F-1, ou qual a melhor forma de envenenar ainda mais o motor.
Alguma ansiedade em relação à visita ao Brasil?
As garotas. Dizem que as mulheres do Rio são muito bonitas. Estou empolgado.