Nesta terça-feira, no retorno da Superliga feminina após a folga das festas do fim de ano, o Vôlei Bauru venceu o Brasília por 3 a 1, em Bauru. Depois de dois sets arrasadores (25 a 15 e 25 a 17), o time da casa viu a reação do adversário no terceiro (26 a 28) e fechou a partida no quarto set, por 29 a 27. Como tem ocorrido nas últimas partidas, Tifanny Abreu, de 33 anos, a primeira trans a jogar na elite do vôlei feminino no país, foi o destaque do jogo, anotando 24 pontos, e foi escolhida a melhor da partida. Mas a sua performance tem sido tema de discussões acaloradas. Sua presença na Superliga ganhou volume após o médico Paulo Zogaib, professor de medicina esportiva da Unifesp e colunista de VEJA, sustentar que apenas o controle de testosterona não tira a vantagem natural de Tifanny em relação às mulheres em quadra. Agora as próprias jogadoras resolveram falar. Todas têm a mesma opinião: a diferença física em relação às demais jogadoras é muito grande. E surge um novo movimento, o mercado de trans no vôlei feminino.
“Depois de nossa partida contra o Bauru, quando a Tifanny recebeu o troféu de destaque do jogo, eu disse que sempre que ela estiver em quadra, ninguém mais vai ganhar. Ela sempre vai se destacar, sempre estará acima das outras”, afirmou a ponteira Mari Cassemiro, do Pinheiros.
Sua companheira de equipe, a líbero Ju Paes, conta que passou a virada de ano ao lado de outras jogadoras, e o assunto foi tema dominante nas conversas. “Em um grupo de cinco meninas, duas só analisavam o lado humano, elogiando a luta que ela passou, desde a cirurgia, o tratamento de hormônios, etc. Esse lado é muito legal, mas e as vantagens sobre outras atletas? É uma diferença muito grande. Dentro de quadra, nos sentimos impotentes.“
O Pinheiros foi o primeiro a ser derrotado pelo Vôlei Bauru após a estreia de Tiffany. No dia 19 de dezembro, em partida válida pela primeira rodada do returno da competição, o Bauru venceu por 3 a 1, com 25 pontos anotados pela primeira atleta trans autorizada pela Confederação Brasileira de Vôlei a jogar na Superliga.
O desempenho da goiana nascida em Paraíso do Tocantins, em 1984, impressionou as jogadoras do Pinheiros. “Dentro de quadra, inclusive acho que ela está ‘segurando’ o braço ainda. É lógico que ela não vai conseguir ter a mesma explosão que tinha quando jogava no masculino, por causa da redução hormonal, mas ela começou o jogo contra nós de uma forma e terminou de outro jeito. E quando vinha no ataque, eu não conseguia defender”, disse Ju Paes.
A maior força física da atleta do Bauru é constatada também em comparações a outras atletas da Superliga. “Muitas vezes a Ju pede em treinos que os homens da comissão técnica ataquem com a maior força possível, para chegar no nível da Tandara, uma das jogadoras mais fortes no feminino. Mas a Tifanny é mais forte”, afirmou o treinador do Pinheiros, Paulo de Tarso Milagres.
Mercado de trans
O desempenho de Tifanny na Superliga – nas suas três primeiras partidas, foram impressionantes 70 pontos, média de 23,3 por jogo – começa a criar nas jogadoras o receio de que os clubes pensem em contratar mais atletas trans.
Se isso aumentar nos próximos anos, nós mulheres vamos perder espaço. A trans tem maior vantagem física. Todo clube vai querer contratar uma
Vanessa Janke, capitã do Pinheiros
E para quem duvida que existam outras “Tifannys” espalhadas pelo país, o técnico Paulo Milagres faz uma revelação. “Não só ouvimos falar de outras como já recebi contatos. Tem gente que liga procurando espaço no clube como atleta. Empresários ligam dizendo que têm atleta disponível.” Segundo Paulinho, caso as regras para autorização de transgêneros no vôlei sigam como estão, é provável que outras equipes comecem a contratá-las.
“Não tenho absolutamente nada contra a Tifanny. Ela não tem culpa de nada. Buscou e conquistou este espaço. Mas sou contra ela jogar a Superliga. Porém, como técnico, se o Pinheiros investir e a diretoria disser que tenho de ser campeão, se tiver espaço para trazer uma Tifanny, é claro que vou trazer, pois será uma jogadora que vai desequilibrar. Como é o caso dela“, disse o treinador do Pinheiros.
Essa vantagem técnica que o time de Bauru tem com a presença de Tifanny não é percebida apenas pelas adversárias. Como revelou uma jogadora, na condição de anonimato, muitas atletas do Vôlei Bauru não aceitam muito bem dividir espaço em quadra com Tifanny. “Elas não concordam com a presença dela. Mas como está no time, elas querem ganhar.”
Entrevista exclusiva: Tifanny dá detalhes de seu dia a dia após a cirurgia
No dia a dia do clube, o Bauru estaria evitando determinadas situações, como permitir que Tifanny use o saque ‘viagem’, que dificultaria ainda mais a recepção adversária. “Se no masculino os passadores têm dificuldade com um saque deste, imagine as mulheres tentando defender um saque da Tifanny… Ela poderia acabar com um jogo só no saque, se tiver uma boa sequência”, diz um treinador de uma equipe que disputa a Superliga e que também pediu para não ser identificado.
Silêncio das estrelas
Diante dessa situação, muitas atletas preferem não se manifestar, especialmente as mais conhecidas. “Se as jogadoras de seleção brasileira não querem opinar é porque ainda não chegou alguém para tomar o lugar delas. Hoje, é uma ponteira trans, se vier uma central tenho certeza que uma atleta desta posição vai se manifestar. Essa central que hoje é a favor ou que não se importa com o que está acontecendo, vai começar a pensar de outra maneira”, afirmou a ponteira Mari Cassemiro, do Pinheiros.
“Pelas conversas com outras meninas, sinto que a situação está mais para não arranjar dor de cabeça. Ninguém vai falar nada, vai deixar rolar”, lamentou a líbero Ju Paes, também do Pinheiros. O técnico Paulo Milagres acha que mais jogadoras deveriam questionar a atual legislação. “Especialmente as mais novas, que têm mais tempo de carreira pela frente, pois esta regulamentação pode fechar as portas para elas no futuro.”
Sem dar bola para as críticas
Em entrevista ao SporTV após o jogo nesta terça contra o Brasilia, Tifanny disse que não está preocupada com a discussão sobre sua presença na Superliga. “Para as pessoas que entendem das leis, dos regulamentos, é fácil compreender. Só tenho que agradecer ao apoio que venho recebendo, são muitos fãs, muitas mensagens de carinho, do Brasil, do exterior.” O técnico da equipe, Fernando Bonato, disse que a sua preocupação é aliviar a pressão sobre sua jogadora.
“É tudo muito novo, muito recente. Neste momento queremos dar a ela tranquilidade. As questões burocráticas e legais estão sendo tratadas pela diretoria do clube. No jogo contra o Fluminense, por exemplo, atuamos desfalcados da Paula Pequeno e com isso o número de bolas que ela recebeu foi maior, porque joga numa posição própria para isso. Mas estamos encarando todos estes comentários de forma natural”, disse Bonato, tentando justificar o alto rendimento da jogadora.