Sob a moldura da Torre Eiffel, do Grand Palais e do obelisco de Luxor, a torcida verde e amarela dominava as arquibancadas, com bandeiras e entusiásticos gritos de “fadinha, fadinha!”. Uma menininha na primeira fila até usava asas em homenagem a Rayssa Leal, 16 anos, que parecia bem à vontade. À plateia, exibia o muque, bem-humorada.
Mas a medalha de bronze na Olimpíada de Paris saiu às custas de muito suor e no derradeiro lance. Foram várias as quedas ao longo da competição, que ela liderou só no comecinho. Seu último salto na pista, belo e seguro, lhe trouxe o pódio na categoria street, que Rayssa muito celebrou, com o semblante aliviado. “Sei que esse foi um alívio coletivo, nunca vi uma torcida dessas”, disse, com a medalha já no peito.
Quando começou a deslizar e cair, ela desceu a rampa e ficou sozinha à beira da pista, visivelmente abalada. Conta que rezou, recobrou a força e assim voltou ao duelo.
A toda hora, ia à arquibancada abraçar os familiares, que lhe cochichavam ao ouvido. Aí baixava a tensão, que pairou o tempo inteiro no ar. “Estava nervosa. Errei duas manobras muito simples no começo e isso mexeu comigo”, reconheceu.
GENTE GRANDE
Ao desembarcar no aeroporto Charles de Gaulle, Rayssa era esperada por fãs não só brasileiros, mas também estrangeiros. Na Vila Olímpica, passou a ser, ao lado da ginasta Rebeca Andrade, a atleta que vem mais atraindo as atenções entre gente de todos os esportes. Gosta e reponde com sorrisos largos.
Medida de sucesso nestes tempos, Rayssa é boa de talhar a própria imagem. Nas redes, já ultrapassou os 12 milhões de seguidores – eram um milhão antes do pódio nos Jogos de Tóquio, em 2021, quando tornou-se a mais jovem brasileira da história a faturar uma medalha olímpica. Tinha 13 anos e usava aparelho nos dentes.
Com o correr do tempo, foi ganhando aquele tipo de confiança que autoriza a pessoa a bater pé quando acha que deve. Nesta temporada parisiense, após uma espera de horas por um ônibus que iria levá-la da Vila Olímpica à cidade, tudo sob um sol inclemente, não hesitou em cobrir o rosto com filtro solar e ironizar: “A cara de palhaça esperando o ônibus”, postou.
Ao refletir, após o pódio, sobre a diferença entre uma e outra medalha, falou, descontraída: “Primeiro a cor. Depois, cresci uns 10 centímetros e ganhei um novo olhar, uma outra mentalidade.” E acrescentou: “Crescer é de boa.”
ASSIM NASCEU FADINHA
Quem a guindou dos círculos de São Luiz, onde mora com os pais e o irmão, para outras pistas foi a lenda americana do skate Tony Hawk, que, ao assistir a um vídeo da menina de 7 anos deslizando pelas ruas, espantou-se com a habilidade da garota vestida de tutu azul e escreveu: “Um heelflip (quando o skate sai do chão e dá um giro inteiro para o lado) de contos de fada.” A ideia pegou, e foi aí que Rayssa virou fadinha.
O resto da fama ela própria foi construindo de competição em competição, até que levou a medalha de prata no Japão. Ganhou vários mundiais e chegou a Paris, cidade onde já esteve muitas vezes, em plena forma. “Meu corpo desenvolveu, estou forte, e faço terapia para cuidar da cabeça”, disse Rayssa, que deu uma boa amadurecida desde o pódio japonês.
LADEIRA ACIMA
O skate vem escalando em popularidade de uns tempos para cá. A categoria street, de Raysa, simula o ambiente urbano, com itens que vão aparecendo pelo caminho, como escadas, bancos e corrimãos. Nos anos de 1990, a modalidade conquistou espaço em pistas mundiais impulsionada pelos saltos justamente de Tony Hawk, que fez dela fadinha.
O passo decisivo para o skate ser praticado maciçamente mundo afora veio de seu recente status de esporte olímpico, apenas três anos atrás. Esse esporte que ganha as ruas Influencia inclusive a moda, de que Rayssa tanto gosta – vire e mexe, ela está por Paris a convite da Louis Vuitton, marca da qual se tornou embaixadora global ao lado de Emma Stone e Zendaya.
Agora que o páreo das meninas terminou, falta o duelo masculino, marcado para segunda-feira 29. E tem dois medalhistas olímpicos entre os seis na disputa por medalhas, Pedro Barros e Kelvin Hoeffler. “Se cair, se levante e comece de novo, quantas vezes forem necessárias”, costuma dizer Rayssa. Que a coragem de fadinha inspire mais giros radicais neste cenário tão cheio de história.