Quando começou, em 2014, a Fórmula E era vista como um sonho, uma quimera. Porque havia poucos carros elétricos nas ruas, o sentimento era de ceticismo em relação à nascente competição automobilística. Os primeiros monopostos eletrificados das pistas não apresentavam o ronco ensurdecedor característico da Fórmula 1 e tinham performance limitada, com aceleração de 0 a 100 quilômetros em pouco mais de 3 segundos, velocidade máxima de 225 quilômetros por hora e bateria com autonomia para apenas metade da corrida. Foi nesse contexto quase primitivo, de terreno a ser desbravado, que o brasileiro Nelson Piquet Jr., na época piloto da equipe chinesa Nextev, se tornou o primeiro campeão da categoria.
Muita coisa mudou desde então. E a temporada 2024/2025 do Campeonato Mundial de FE, que dará a largada em São Paulo nos dias 6 e 7 de dezembro, deve marcar o início de uma nova fase. Dez anos e uma epidemia depois, os carros de corrida elétricos evoluíram de forma impressionante. O Gen3 Evo, nova geração dos bólidos, acelera de 0 a 100 em 1,82 segundo, atinge máxima de 322 quilômetros por hora e tem uma combinação de bateria e trem de força (conjunto formado por embreagem, caixa de marchas, eixos de transmissão, diferencial e rodas motrizes) que permite autonomia suficiente para terminar as provas. “Agora, trata-se de acelerar nosso crescimento”, disse a VEJA o CEO da categoria, Jeff Dodds.
Não é um bicho de sete cabeças. O circuito híbrido que combina o espaço do Sambódromo e as ruas do entorno do Anhembi, na capital paulista, será o primeiro teste de fogo do Gen3 Evo. Com tração nas quatro rodas, o monoposto promete levar a FE a um novo patamar de performance e espetáculo. “O carro acelera mais rápido que a força da gravidade, acelera mais rápido que o Fórmula 1”, diz o piloto brasileiro Lucas Di Grassi, da Lola Yamaha ABT, único representante do país na categoria, já que Sérgio Sette Câmara não seguirá na equipe ERT. Di Grassi acredita que o aumento de potência e velocidade, aliado à imprevisibilidade proporcionada pelos novos pneus, contribuirão para o aumento da base de fãs, hoje em 400 milhões de pessoas ao redor do mundo.
A FE também se consolida como uma força motriz no desenvolvimento de tecnologias para carros elétricos de rua. Diferentemente da F1, que se concentra sobretudo em aerodinâmica, a categoria elétrica tem como foco a inovação em baterias e os trens de força. “O motor de combustão interna da F1 tem 130 anos, não há muito o que transferir para o seu carro de produção”, diz Dodds. “Estamos ainda na infância dos veículos elétricos a bateria, estamos aprendendo muitas coisas sobre o seu desenvolvimento que estão indo diretamente da pista de corrida para o seu carro.”
A FE também se destaca por seu compromisso com a sustentabilidade. A categoria é carbono neutro desde sua fundação e busca reduzir sua pegada de carbono em 45% até 2030. “O carbono que produzimos anualmente em torno da nossa temporada de corridas é uma fração do carbono produzido por outros grandes eventos esportivos”, diz Dodds. “Produzimos cerca de 35 000 toneladas de carbono por ano, incluindo viagens de fãs.” Na F1 a emissão vai de 200 000 a 250 000 toneladas.
Além de inovação tecnológica e sustentabilidade, a FE busca ampliar a participação feminina no automobilismo. A categoria realizou um teste exclusivo para mulheres pilotos durante a pré-temporada em Madri, visando dar visibilidade ao talento feminino e abrir portas para futuras oportunidades. “Eu vejo que o futuro do automobilismo precisa de mulheres”, diz Beth Paretta, vice-presidente de esportes da FE. “Vejo que as coisas precisam mudar, de outra forma (o automobilismo) pode estar em perigo.” A aposta na paixão do público brasileiro por velocidade, tecnologia e diversidade consolida sua posição como uma força inovadora e inclusiva no mundo do esporte a motor.
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919