A boa novidade da estreia: temos um camisa 9
O carismático Richarlison entrou na galeria dos grandes personagens do Brasil em Copas ao marcar dois gols contra a Sérvia – um deles, uma pintura
LUSAIL – O que seria de uma Copa do Mundo sem o Sobrenatural de Almeida – o personagem que Nelson Rodrigues usava para explicar tudo de ruim que acontecia com o seu Fluminense –, mas um Sobrenatural ao avesso, afeito a boas surpresas. Foi o que aconteceu com Richarlison, que andava apático e um tanto desligado no primeiro tempo contra a Sérvia. Eis que, ao voltar para a segunda etapa, fez história – uma estreia desse calibre, em Copa, faz qualquer um subir de patamar. Haverá, nos próximos dias, natural interesse pelo personagem, talvez o mais carismático e espontâneo da seleção. Ele é carismático, espontâneo, querido pelas crianças… e faz gols. Richarlison sabia, antes de chegar ao Catar, ter um único objetivo: balançar as redes. Havia imensa pressão. Aos 25 anos, contudo, levava a cobrança com a leveza possível.
O cidadão mais ilustre de Nova Venécia, no Espírito Santo, cria do América-MG e com passagem pelo Fluminense, convive com uma sombra pesada, a de seu ídolo Ronaldo Fenômeno, dono da camisa 9 nas Copas de 1998, 2002 e 2006, autor de 15 gols em Mundiais. Desde então, seus substitutos não corresponderam às expectativas. O melhor foi Luís Fabiano, com três gols em 2010. Fred fez um gol na vexatória campanha de 2014 e ganhou o apelido de “cone”. Gabriel Jesus nem sequer foi às redes na última Copa na Rússia. O “Pombo”, como é apelidado, faz questão de exaltar o companheiro, mas se diz consciente da missão.
“Quando você veste a camisa 9, a primeira coisa que vem na cabeça é fazer gols. Eu tenho bastante gols com a camisa da seleção e acho que com esses companheiros que eu tenho os gols vão sair naturalmente. Na última Copa, vimos o esforço e papel importante que o Gabriel Jesus teve, mas a cobrança vem porque o camisa 9 tem que marcar gols”, disse, com a sinceridade de sempre, depois do treino se segunda-feira, 21, no Estádio Grand Hamad, em Doha.
O atleta, que recentemente trocou o Everton pelo Tottenham, um dos clubes mais ricos da Inglaterra, se disse mais maduro e agradeceu a confiança de Tite, a seu modo, simples: “Esse sempre foi meu sonho, esse momento chegou, professor Tite confia em mim e eu agradeço a ele por essa confiança de me dar a camisa 9, ele sabe que eu faço bastante gols. É uma camisa muito pesada, é a que tem mais gols em Copas, e eu espero aumentar essa marca”.
Convocado desde o primeiro jogo do ciclo de 2018 para 2022, Richarlison tem agora 19 gols em 39 jogos pela seleção brasileira principal e foi decisivo na conquista da Copa América de 2019. Também foi o destaque da seleção olímpica que faturou a medalha de ouro em Tóquio, em 2021, com cinco gols na campanha. No Mundial, ele, que não é bobo nem nada, não quis se estabelecer uma meta de gols. “Não, deixo os gols saírem naturalmente, sem pressão, já tem muita pressão por eu jogar com a camisa 9.”
Sempre bem-humorado, Richarlison arrancou risos ao dizer que não pretende mudar o penteado durante a Copa, como Ronaldo fez no penta em 2022. “Vou manter esse mesmo, é o corte Zeca Urubu.” Em outro momento, ofendeu um jornalista alemão que criticou Neymar por ter postado uma foto com o calção da seleção com seis estrelas. “É o nosso sonho, vamos em busca dele. Nem sei quem é, mas quem criticou isso é um babaca.” E disse estar “200% fisicamente”, espantando rumores sobre uma lesão na panturrilha que quase o tirou da Copa.
Como toda Copa serve de lupa, ao ampliar as histórias que a enriquecem, convém agora ver e rever os dois gols contra a Sérvia, carbono do que é capaz Richarlison. O primeiro, de puro oportunismo, ao pegar uma bola rebatida pelo goleiro. O segundo, um voleio espetacular, afeito a fazer rir como ele próprio ri.