Os vinhos com rótulos ancorados no marketing das celebridades
As celebridades adoram colar seu nome a safras da bebida — algumas são excelentes, mas quase sempre a jogada é de publicidade
Famoso que é famoso, hoje em dia, precisa apresentar duas credenciais: popularidade no Instagram e ter um rótulo de vinho para chamar de seu. Há algum exagero, sim, na segunda condição — mas não está muito longe da realidade. Brotam, como uvas em parreiras, garrafas com a marca de gente celebrada. Brad Pitt e Angelina Jolie têm um rosé particular, o Muse de Miraval, produzido por uma família do Ródano francês que aprendeu o métier em Châteauneuf-du-Pape. A mais recente sócia do clube é a cantora pop australiana Kylie Minogue. Ela acaba de anunciar sua “grande paixão”, um rosé — sempre um rosé, um tanto na moda, suave, boa companhia para carnes magras, massas leves e verduras gratinadas — que leva seu nome, vendido pelo equivalente a 75 reais. Tudo muito bem, e os artistas têm o legítimo direito de lançar vinhos como quem assina perfumes, mas há um truque fácil de ser desmascarado. Costuma ser marketing, ainda que algumas safras sejam aplaudidas. Compra-se a grife. “Nem sempre a qualidade combina com o preço”, resume Alexandra Corvo, sócia e professora do Ciclo das Vinhas — Escola de Vinho, de São Paulo. No caso de Kylie, lê-se, em letras pequenas, “vin de France”, porque é realmente francês, produzido na Provença, mas não é um DOC, a denominação de origem controlada que assegura a localização geográfica, única e insubstituível, de uma produção vinícola.
Há, claro, exceções de qualidade, como os respeitadíssimos chardonnay de Francis Ford Coppola do Napa Valley californiano e, sim, o Anima, varietal de merlot da Bueno Wines, do locutor esportivo Galvão Bueno, extraído na Campanha Gaúcha, no Rio Grande do Sul. Mas a regra é a inflação do paladar quando os vinhos estão atrelados a gente conhecida. Note-se, por exemplo, que o Miraval do ex-casal “Brangelina” chegou a ser vendido, em leilão beneficente, pelo equivalente a nada suaves 12 000 reais. O veredicto, segundo Manoel Beato, chef sommelier do restaurante Fasano, de São Paulo: “Já provei vinhos deles e chegam a ser maravilhosos, mas não dá para pagar tão caro por um rosé”. É exagerado mesmo — e, em se tratando dos sutis prazeres de Baco, convém lembrar de um batido e útil ditado do tempo de nossos avós: “Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento”.
ASSINE VEJA
Clique e AssinePublicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691