Os erros e acertos de ‘O Mecanismo’, a série sobre a Lava Jato
Com a produção que estreia dia 23 na Netflix, José Padilha transforma o escândalo brasileiro em entretenimento global — sem corromper sua essência
A edição de VEJA que circula nesta semana traz uma reportagem sobre O Mecanismo, nova série de José Padilha que aborda a Operação Lava Jato. A produção, que estreia na Netflix dia 23, é um ser híbrido: baseia-se em episódios verídicos, mas abraça sem pudor a reinvenção dramatúrgica. Apesar das licenças, não trai a essência do esquema desnudado pela operação que mudou a história do país.
Noite após noite, o delegado Marco Ruffo (Selton Mello) vasculha latas de lixo como um cão farejador obsessivo: ele sabe que ali tem osso de bicho grande. O agente da PF que protagoniza O Mecanismo, gasta seus dias num escritório em Curitiba deglutindo centenas de milhares de aparas de extratos bancários jogadas no lixo pelo doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Diaz). Ex-colega de escola de Ruffo, Ibrahim passou de pobretão vendedor de pastéis a muambeiro, e daí a milionário. “Vinte anos de Polícia Federal, e tudo o que consegui foi comprar um carro usado para minha esposa e um sítio no interior do Paraná”, repete Ruffo.
A vida de Ibrahim oferece um contraste chocante: sem ter completado os estudos e nem ao menos exercer uma profissão, ele circula nas altas-rodas políticas e empresariais. O delegado da série é fictício, mas seu alvo se inspira num personagem real e familiar: o doleiro Alberto Youssef, cuja prisão faria deslanchar a maior operação contra a corrupção vista até hoje no Brasil.
A Lava Jato já foi tema de um longa-metragem, o constrangedor Polícia Federal — A Lei É para Todos. Mas agora torna-se um escândalo tipo exportação: com ritmo de thriller investigativo, O Mecanismo vai ser lançado ao mesmo tempo em 190 países. Será pelo prisma de Padilha, enfim, que o mundo vai conhecer os meandros da operação. E ninguém exibe tantas credenciais para cumprir a tarefa quanto o diretor dos dois Tropa de Elite.
Ruffo resume a dimensão insidiosa do inimigo: “É um câncer”. Em O Mecanismo, a luta contra essa chaga se inicia dez anos antes da eclosão da Lava Jato. Ao remontar e cruzar milhares de extratos bancários, Ruffo descobre o bilionário esquema de lavagem de dinheiro do Caso Banestado. A investigação funcionou como ensaio para a futura operação, mas não teve final feliz para quem ansiava ver os corruptos na cadeia. O doleiro Ibrahim é preso, mas logo seus advogados manobram para tirá-lo do xadrez em troca de uma delação premiada meia-sola, que fez tudo terminar em pizza — como ocorreu com seu similar real Youssef em 2003.
Padilha faz de O Mecanismo uma extensão natural das discussões sobre o Brasil que empreendeu ao longo de toda a carreira. “Terminei o segundo Tropa de Elite em Brasília, insinuando que havia uma conexão entre a violência nas ruas e a corrupção na política. A Lava-Jato confirmou isso”, diz o diretor (leia a entrevista na pág. 92). Violência e injustiça social, em suma, não são tão distantes dos crimes de colarinho-branco: ao contrário, essas mazelas derivariam do mal sistêmico maior.
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