O salto de Carol Abras no cinema e Netflix
Atriz, que atuou em ‘I Love Paraisópolis’ na Globo, em 2015, faz carreira longe da TV aberta, com a série ‘O Mecanismo’ e longas como ‘Alguma Coisa Assim’
Caroline Abras começou a carreira no cinema em 2006, com o curta Alguma Coisa Assim. Doze anos depois, a atriz paulista de 30 anos tem consolidado o seu espaço em grandes produções, como na série O Mecanismo, da Netflix, que estreou este ano e já tem segunda temporada garantida para 2019, e Gabriel e a Montanha, no cinema.
Depois de viver a irmã coadjuvante de Nina em Avenida Brasil (2012) e a Ximena da novela I Love Paraisópolis (2015), a atriz tem se mantido longe da televisão. Na última semana, ela estreou no cinema em Algumas Coisa Assim, longa com uma trama estendida do primeiro curta, de mesmo nome, lançado há doze anos. Estrelado por Carol e André Antunes, o novo filme acompanha a história de dois amigos da adolescência, que se reencontram em diferentes momentos da vida.
Misturando cenas de 2006 e outras gravadas em 2016, a produção, rodada no Brasil e na Alemanha, levanta discussões sobre temas como o casamento homoafetivo e a legalização do aborto. Confira a entrevista completa com a atriz:
No novo filme, a sua personagem vive uma amizade repleta de tensão sexual. Você já teve uma amizade semelhante? Sim, hipocrisias à parte, acho que todos nós. É a diferença de um contratado e um freelancer (risos). É o mesmo trabalho, só muda o nível de responsabilidade.
O filme vem num momento em que muito se fala de temas como sexualidade fluída e aborto. Isso foi pensado? É verdade, o longa acompanha algumas tendências geracionais. Eram assuntos que estavam super em voga e efervescentes na época e, a partir daí, a gente criou o discurso do filme. No primeiro filme, de 2006, não era confortável se assumir homossexual. Não era comum a gente ver as pessoas se beijando na rua. Hoje em dia, a gente começa a olhar com normalidade nas grandes metrópoles. Demorou. Espero que daqui a dez anos a questão do aborto não seja mais uma questão, como é na Alemanha.
Cinema não é só entretenimento. É um espaço de reflexão. Quando a gente traz esses assuntos, é porque em algum lugar existe uma insatisfação, ou da população ou da primeira pessoa que está colocando o tema na roda
Caroline Abras
Qual é a importância de levantar essas discussões, inclusive sobre os novos formatos de família, no cinema? Cinema não é só entretenimento. É um espaço de reflexão. Quando a gente traz esses assuntos, é porque em algum lugar existe uma insatisfação, ou da população ou da primeira pessoa que está colocando o tema na roda. Sempre sai de uma não-satisfação. Esses temas eram muito pertinentes para a gente, porque era um momento em que tudo ainda era um pouco tabu.
A escolha por deixar as discussões na história mais abertas contribui para esse diálogo? A gente está em um momento de muita intolerância e de grandes verdades, em que todo mundo coloca a sua opinião com muita veemência e violência. Quando a gente sugere uma reflexão, é muito mais saudável. O grande problema da nossa sociedade hoje é esse: a falta de escuta, de percepção relacionada à opinião alheia. Como ferramenta social, o longa funciona muito bem. A gente olha a reação das pessoas, elas discutem os temas do filme. E o filme faz isso harmonicamente, porque não impõe nada. Só sugere uma reflexão.
Por falar em intolerância, você sente algum receio por estar em produções que questionam o momento atual do país, como O Mecanismo, que fala de corrupção? Não, porque acho que o artista também tem um papel social. Não é só o de celebridade, de entretenimento. A gente tem que aproveitar o espaço que é dado. Se acho pertinente questionar algumas coisas, eu vou fazer. É parte da minha contribuição como artista. Obviamente, são temas muito delicados e as pessoas estão intolerantes. Nas redes, as pessoas não têm mais responsabilidade com o que é dito. Então, estar nesses lugares é interessante. A gente vai plantando ideias. Acho que é fundamental o artista não esquecer do seu lugar como ferramenta social, para abrir diálogos e reflexão junto ao público.
O artista também tem um papel social. Não é só o de celebridade, de entretenimento. A gente tem que aproveitar o espaço que é dado. Se acho pertinente questionar algumas coisas, eu vou fazer
Caroline Abras, sobre a carreira de atriz
Essa intolerância chega até você nas redes sociais? Eu não sei se ando em uma bolha de pessoas que me protegem ou se eu tenho sorte, mas até agora ninguém me atacou. Fico até curiosa: ninguém quer me atacar? (risos) Será que eu não estou provocativa o suficiente?
O curta Alguma Coisa Assim, base para o longa, marcou o início da sua carreira no cinema. Como é lançar o filme mais de dez anos depois? É delicioso você voltar para um lugar que nós conquistamos super jovens, de aprender que a nossa voz tinha valor e que pessoas estavam nos ouvindo e assistindo. Voltamos com essa consciência de que podemos dialogar com as pessoas, principalmente com os jovens, ainda mais depois de tantas vivências na carreira de atriz.
Você já comentou que se identifica mais com produções menores. Por quê? A minha escola foi o cinema marginal, o improviso, a câmera na mão, gravando no meio da rua. Acho muito gostoso, porque a gente está atuando, se inserindo na realidade de outras pessoas e deixando se contaminar. Isso é tão vivo, que, quando a gente entra em uma coisa um pouco mais elaborada, com textos e atores, pensa: é gostoso, mas cadê aquele risco? Esse cinema um pouco mais artesanal me trouxe esse risco. A falta de estrutura me traz uma sensação gostosa de lidar com o real, você não está protegido em um set.
Quais são os próximos trabalhos agora? Agora eu tenho O Mecanismo 2 e o filme Rodantes, que começa no circuito internacional de festivais e a gente estreia no ano que vem. Ainda tenho mais dois filmes que estão em processo de captação, então não posso dar nome às vacas — vacas porque sou feminista (risos).
Como está a preparação para a segunda temporada de O Mecanismo? Vocês já começaram a gravar? Eu não posso contar nada, mas a segunda temporada está aí já já.