Entre 1920 e 1999, foram fundadas 40 universidades, uma a cada dois anos, com a última inaugurada em 1994 pelo governo Itamar Franco. Na virada do século, entre 2000 e 2019, o cenário mudou. Foram criadas 29 instituições, um crescimento de 73% em apenas 20 anos. A ampliação resultou em orçamentos ainda maiores destinados à manutenção das novas unidades, mas o ciclo foi interrompido a partir do segundo ano do governo de Jair Messias Bolsonaro. É o que indica o Painel Financiamento da Ciência e Tecnologia, elaborado pelo Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (Sou Ciência), da Unifesp. Os valores, coletados no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), do Ministério do Planejamento, oferecem um panorama da gestão financeira das universidades federais brasileiras nos últimos 23 anos.
O painel registra o movimento de ascensão e queda, que agora ameaça a sobrevivência de muitos institutos. De acordo com os dados apresentados, o governo de Jair Messias Bolsonaro teria sido o mais econômico nas despesas com o ensino superior federal. Com ele, os orçamentos reservados para as universidades brasileiras tiveram redução ano a ano, totalizando perdas de 8,7 bilhões de reais. Os 62,2 bilhões investidos em 2019 caíram para 52,3 bi em 2022, menos que o orçamento destinado às instituições em 2013 (53,9 bilhões de reais), caracterizando um retrocesso de quase uma década.
O maior arrocho foi nos gastos destinados a obras de infraestrutura e compras de equipamentos para ensino e pesquisa, que em 2021 atingiram o pior índice do século, com 131 milhões de reais. “Até então, o menor investimento tinha sido em 2002 [no mandato de Fernando Henrique Cardoso], com 196,8 milhões de reais”, diz Soraya Smaili, coordenadora do Sou Ciência e ex-reitora da Unifesp. Ela calcula que no ano passado o investimento médio em cada universidade foi 2,7 milhões, o que seria suficiente para construir uma obra com 1.600 metros quadrados, o equivalente a cerca de 32 salas de aula. O maior investimento foi feito em 2014, pela ex-presidente Dilma Rousseff, com um aporte de 1,5 bilhão de reais.
“Os números e gráficos do Painel explicam o que tem se observado nas universidades federais nos últimos anos: um processo de precarização das condições materiais e de trabalho, da oferta dos cursos de graduação e pós-graduação, e das atividades de pesquisa e de produção de conhecimento em ciência e tecnologia”, afirma Maria Angélica Minhoto, professora do Departamento de Educação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Unifesp e coordenadora do Painel.
O estudo considera ainda o montante reservado para as despesas de manutenção e funcionamento; pagamentos de pessoal; e assistência estudantil. Nesses campos, o movimento de ascensão e queda também se repetiu, acumulando os piores índices no mandato de Jair Bolsonaro. “É necessário agora um grande esforço para recuperar os estragos promovidos entre 2019 e 2022 e também para continuar o crescimento da ciência, que é tão importante para a sociedade e que promove o desenvolvimento do País”, sintetiza Smaili. A ex-reitora acredita que os cortes promovidos pela gestão do ex-presidente acabaram atrasando a consolidação da expansão iniciada anos antes.
O Painel dedicado ao orçamento das universidades federais é apenas o primeiro de uma sequência de três módulos, que serão divulgados pelo Sou Ciência. Estão em elaboração outros dois compilados, um dedicado à produção científica, com ênfase nas agências federais de fomento e no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e outro, dedicado às fundações estaduais de amparo à pesquisa.